As Primárias Estadunidenses: os protestos contra Joe Biden e o apoio a Israel

Amanda Ribeiro Silva
André Luís Norvino da Cruz

Resumo

Após os resultados da Super Tuesday, republicanos e democratas estão atentos às repercussões nas suas bases eleitorais, principalmente o presidente Joe Biden, que teve seu apoio a Israel contestado nas urnas com o uso do voto descomprometido. O papel do Lobby pró-Israel, liderado pelo American Israel Public Affairs Committee (AIPAC), vem sendo alvo de críticas do eleitorado estadunidense, trazendo notoriedade para movimentos como o The Boycott, Divestment, Sanctions (BDS), que pressiona o executivo e o congresso do país. O presente artigo busca analisar os movimentos do voto “uncommitted” como protesto às políticas de Biden em Gaza, e seus reflexos nas eleições primárias de estados-chave dos Estados Unidos.

As primárias nos EUA e os resultados da Super Tuesday

Os Estados Unidos estão no início do processo eleitoral para eleger um novo presidente em novembro. Atualmente estão ocorrendo as eleições primárias para decidir quais candidatos de cada partido estarão na corrida presidencial. Um movimento que tomou força nas primárias deste ano, em alguns estados, foi a adoção do voto  “uncommitted por muitos eleitores democratas. Isto é, eles podem escolher essa opção na cédula de votação, que representa o voto de um membro do partido que não se compromete a apoiar certo candidato no momento de votações. Isso veio como uma forma de repreensão ao posicionamento do governo de Joe Biden sobre a guerra de Israel em Gaza. Essas ações se iniciaram no Michigan, em fevereiro, onde movimentos populares despertaram o olhar de eleitores para esse movimento, devido ao estado conter a maior população de americanos árabes do país, com 2,1%, e isso fez com que cerca de 13% dos votos democratas no estado fossem uncommitted

À princípio, o sistema eleitoral estadunidense é indireto, ou seja, é organizado de maneira descentralizada. A eleição é dividida nesse momento inicial em que o eleitor escolhe o pré-candidato de sua preferência para que o partido o indique para concorrer à eleição geral. Isso vai ser refletido nos delegados de cada estado, que são encarregados de votar no nome do pré-candidato que recebeu apoio dos eleitores na convenção nacional de cada partido. Segundo Augusto Neftali Corte de Oliveira, pesquisador da PUCRS, “existem 51 eleições diferentes com resultados independentes em cada estado e é a justaposição desses resultados que forma o colégio eleitoral”, onde os eleitores escolhem o colégio eleitoral, formado pelos delegados, e esse é encarregado de eleger o presidente.

Um dos pontos altos nas primárias é a “Super Tuesday, ocorrida no dia 5 de março, em 2024, é o momento em que a maior quantidade de estados votam simultaneamente. Neste ano foram 15 estados, incluindo alguns importantes, os “swing states – estados que têm a população dividida politicamente, onde as vitórias entre democratas e republicanos oscilam a cada ano, se tornando alvos durante a campanha política, como Pensilvânia, Michigan e GeórgiaDos candidatos na disputa dos partidos Republicano e Democrata, o ex-presidente, Donald Trump, e o atual, Joe Biden, lideram os votos de cada partido, respectivamente, contando com vitórias em 14 estados participantes da Super Tuesday, além de em outros estados em que já ocorreram os primeiros processos das eleições.

Durante as primárias, no contexto da Super Tuesday o movimento dos votos uncommitted, mencionado acima, seguiu forte, ficando evidente, além do Michigan, em Minnesota, um importante swing state do Centro-Oeste dos EUA, com cerca de 19% dos votos totais dos democratas. Essa movimentação faz com que Biden tenha que confrontar os pontos vulneráveis de sua campanha, além de poder representar problemas para o candidato nas eleições gerais, já que em pesquisas, como a da  ABC News/Ipsos, sua popularidade tende a ser decrescente.

Mesmo perdendo no território da Samoa Americana e no estado de Vermont, respectivamente, Biden e Trump, provavelmente se enfrentarão nas eleições gerais em novembro. Após os resultados da Super Tuesday serem divulgados, ambos os candidatos apresentaram indícios das agendas que guiarão suas campanhas. Trump tocou em pontos como o declínio dos EUA e afirmou que poderia reverter essa situação, além de questões como a crise migratória na fronteira do país com o México e os conflitos em Gaza e na Ucrânia. Por outro lado, Biden segue uma agenda com teor democrático, alertando sobre como Trump representa uma ameaça para a democracia estadunidense e se colocou como candidato que representaria os interesses da nação, mostrando uma prévia de seus pedidos para eleitores no fim do ano.

O lobby pró-Israel e o apoio incontestável dos Estados Unidos à política externa israelense

O apoio incontestável dos Estados Unidos com Israel tem sido frequentemente atribuído ao poderoso lobby liderado pelo American Israel Public Affairs Committee (AIPAC [i]). O comitê, através de suas atividades de lobby [ii], mobilização de recursos e financiamento de campanhas, desempenha um papel fundamental na garantia de que Israel recebe amplo apoio político e econômico dos Estados, em detrimento às críticas internacionais às políticas israelenses contra o povo Palestino. O papel dos grupos de lobby pró-Israel, como o AIPAC, é influenciar as políticas dos EUA em relação ao país no Oriente Médio, pressionando o poder executivo e o congresso a seguir a agenda política do grupo. 

Anualmente, ocorre uma reunião dos membros da AIPAC em que é comum a presença do presidente norte-americano e do primeiro-ministro israelense para discursar. Outras figuras conhecidas da política estadunidense também já estiveram presentes em reuniões da organização, como Nancy Pelosi, Barack Obama, Hillary Clinton, Donald Trump, Paul Ryan, Robert Menendez; demonstrando a participação tanto de democratas quanto de republicanos no jogo de interesses dos lobbies. A presença, em 2011, do então presidente dos EUA, Barack Obama, ocorreu em meio às críticas do primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu sobre um posicionamento neutro que o democrata estava apoiando. O discurso foi essencial na tentativa do democrata de se reeleger, conseguindo o feito em 2012. 

Já em 2016, durante as eleições dos Estados Unidos, a reunião da AIPAC aconteceu em um cenário atípico: a não presença do primeiro-ministro israelense e do presidente dos EUA. Dessa forma, a participação dos candidatos ao executivo, Clinton e Trump, trouxe um elemento a mais para o quadro político de incertezas. Enquanto a democrata era conhecida por apoiar Israel e apresentava uma continuidade das políticas intervencionistas dos EUA no Oriente Médio; o candidato republicano, Trump, poderia conduzir o país a um pragmatismo e isolacionismo em questões externas. Entretanto, o que aconteceu é que, logo após Trump vencer as eleições e tomar posse no início de janeiro de 2017, recebeu Netanyahu para tratar de assuntos sobre a aliança dos países. 

Durante a administração de Trump, o republicano, sob pressão dos lobistas, manteve a linha estadunidense de apoio incontestável a Israel, chegando até a propor uma resolução de paz com a Palestina conhecida como o “acordo do século”. O acordo não se concretizou, a revolta de palestinos e demais apoiadores da causa repercutiu, gerando protestos sob o lema “A Palestina não está à venda”, fazendo-o ser esquecido. Todavia, a pressão exercida do lobby não se restringiu ao Congresso e o poder executivo, chegando ao debate público sobre as ações do governo israelense, através da tentativa de parar, e até mesmo criminalizar movimentos contrários, como é o caso do “The Boycott, Divestment, Sanctions” (BDS).

O grupo BDS, entre outros, surge em meio a tentativa do debate público sobre o papel estadunidense nas violências causadas por Israel contra civis palestinos. Apoiar incontestavelmente a retórica israelense, e nos últimos anos, de Netanyahu, a partir do lobby EUA-Israel, tem sido problemática no executivo norte-americano. Desde a vitória contra Trump, em 2020, Joe Biden assumiu o país mantendo a posição do país no contexto do Oriente Médio. Contudo, as interações entre Biden e o lobby podem atrapalhar a sua tentativa de reeleição, em que há grande pressão, não apenas popular, mas também internamente, de políticos do Partido Democrata, de reavaliação do endossamento ao grupo.

Neste sentido, a forte atuação de progressistas na coligação “Reject AIPAC” traz um sinal de alerta para a máquina eleitoral democrata nas eleições de novembro de 2024. A forte ligação de Biden com o lobby israelense, sendo um dos maiores beneficiários, com estimados US$5,2 milhões em apoio nos últimos 34 anos, vem recebendo críticas por diversas partes. Assim, apesar da tentativa de lobistas de silenciar as críticas feitas ao governo israelense e o papel dos EUA nessas ações, movimentos como o BDS vêm crescendo e causando grandes repercussões nas eleições deste ano, como o episódio do voto “uncommitted” nas primárias estadunidenses. 

Os reflexos da guerra de Israel em Gaza nas eleições primárias

Segundo uma pesquisa realizada pela ABC News/Ipsos, antes do início das primárias, o índice de aprovação do atual governo de Joe Biden é o menor de qualquer presidente dos EUA nos últimos 15 anos, com uma taxa de 58% de desaprovação e apenas 33% de aprovação. A queda da popularidade de Biden também é vista em grupos que, na última eleição em 2020, apoiavam o democrata como: mulheres, negros e hispânicos. Tendo isso em vista, é notado que cerca de 57% dos democratas estariam satisfeitos com a candidatura do atual presidente, o que é um valor baixo visto que mais de 70% dos republicanos apoiam a candidatura do ex-presidente, Donald Trump. Mesmo se destacando em alguns pontos em relação a Trump (77 anos) como honestidade e confiabilidade, Biden (81 anos) perde nas percepções de agilidade mental e saúde física, para o relatório isso representaria eleições gerais entre dois candidatos impopulares.

O governo de Biden foi marcado por diversos acontecimentos internacionais importantes, a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão, a guerra entre Rússia e Ucrânia e o desdobramento mais recente, a guerra de Israel na Faixa de Gaza.  Um ponto a se ressaltar no que diz respeito a isso é a posição do governo norte americano sobre os ataques em Gaza, onde mantêm uma relação de apoio ao governo de Israel, desde os ataques do grupo Hamas no país. 

Historicamente, é comum o financiamento militar dos Estados Unidos para Israel, embutido na pressão exercida pelo AIPAC e figuras ligadas ao grupo, sob o argumento de “direito de defesa de Israel”. Assim, em resposta aos ataques no território israelense, Israel invade a Faixa de Gaza no fim de outubro de 2023 e continua avançando no território desde então. Essas ações resultaram em um cenário de crise humanitária e morte de milhares de palestinos no território, ou seja, um contexto de genocídio aos palestinos. Diante disso, a forma como o governo norte americano vem se posicionando sobre o conflito acaba refletindo internamente nos EUA como um dos fatores para a queda da popularidade de Biden e influenciando nos resultados das eleições primárias até o atual momento.

Estados que elegeram o democrata em 2020 por uma margem pequena, como Michigan e Minnesota, apresentam sinais que devem preocupar o presidente na busca da sua reeleição, possibilitando a influência também na escolha de estados vizinhos. Podendo ser considerado como “berço do voto descomprometido” nas eleições de 2024, o Michigan acendeu um alerta para os democratas após os resultados da “Super Tuesday”. A união de eleitores perpassa descendentes de outras nacionalidades, como americanos árabes e mulçumanos,  mas também coliga-se com progressistas, além de outras minorias raciais. De acordo com manifestantes, não há possibilidade de defender uma retórica genocida, o que colaborou com a grande repercussão do uso do voto descomprometido durante as primárias do dia 5 de março. 

Apesar de não ter grandes quantidades de recursos, o engajamento do “uncommitted” alcançou grandes proporções também no Michigan, além da Carolina do Norte e Geórgia, estados que “viraram” seus votos na última eleição, em que Biden ganhou os delegados. O endossamento dos votos descomprometidos está crescente nos Estados Unidos, entretanto, não há certeza dos resultados do movimento nas eleições de novembro. A mudança na retórica estadunidense pode influenciar na escolha, visto que Trump é o “pior cenário para o país”, segundo um dos organizadores dos protestos. Recuperar os votos para as eleições gerais será uma tarefa de Biden, assim, o cessar-fogo em Gaza pesa na possibilidade de reeleição do democrata. 

Notas de fim

[i]: AIPAC: sigla em inglês para “Comitê de Assuntos Públicos Americano Israelense”.

[ii]: Lobby é uma tentativa de influenciar as ações de um governo por meio de comunicação escrita ou oral. 

Esse post foi publicado em América, Crise Humanitária, eleições, Estados Unidos, Israel, Oriente Médio, Relações Árabe-israelenses. Bookmark o link permanente.

Deixe um comentário