Natalidade e Imigração: alguns combustíveis para a Extrema-direita no Japão e na Coreia do Sul

João Mateus Paiva Silveira

Resumo

Atualmente o Japão e a Coreia do Sul registraram uma das menores taxas de natalidade do mundo e buscando resolver o problema criaram alguns projetos que incentivavam a imigração. Nessa perspectiva, diversos grupos políticos utilizam destes temas em suas agendas, inclusive a extrema-direita que também está se popularizando na Ásia. Assim, o  presente artigo busca analisar como grupos e figuras das crescentes extremas-direitas japonesas e sul-coreanas, como a Zaitokukai e o presidente Yoon Suk-yeol, incorporaram estes assuntos em sua agenda.

Contexto

O Japão e a Coreia do Sul são uma das maiores economias contemporâneas e possuem certo destaque perante outras nações da Ásia e do mundo. Porém, os fortes números econômicos dos países não escondem certa instabilidade interna em diversos fatores, seja política, demográfica e socialmente. Algumas dessas instabilidades preocupam as autoridades dos países e elas são: baixo número de nascimentos e o crescimento da xenofobia.

Em 2021, o Japão registrou cerca de 811 mil nascimentos, o menor número desde a final do século XIX (Mais mulheres e idosos…,2021), já em 2023 o número de nascimentos caiu ainda mais, com aproximadamente 754 mil bebês recém-nascidos. Tais dados preocupam o governo japonês, que estima que até 2070 sua população será reduzida em cerca de 30%, saindo de 125 milhões de habitantes para 87 milhões. O primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, ressaltou que a crise na taxa de natalidade é a crise mais grave que o Japão enfrenta no momento e está propondo diversas medidas para resolver a crise demográfica no país (Números de nascimentos…, 2024). Uma destas medidas para o combate à queda dos nascimentos no país foi um investimento de US$ 25 bilhões feitos pelo governo japonês, que irão consistir em incentivos financeiros e educacionais a famílias jovens, podendo ser até flexibilidade no horário de trabalho dos pais (Japão investirá R$ 127,3 bilhões…)

Já na Coreia do Sul, a situação com relação à taxa de natalidade é até pior que a japonesa, já que o país apresentou a menor taxa de natalidade do planeta em 2023 (Podemos estar causando…, 2024). Com relação ao número de nascimentos, o país apresentou uma queda de 7% de 2022 para 2023, tendo registrado 230.000 nascimentos (Japão e Coreia do Sul registram…, 2024). Para o governo coreano, também existe certa preocupação, tendo em vista que bilhões de dólares já foram investidos em projetos subsidiários e educacionais, como a construções de mais creches) que visam o aumento nestes dados (Japão e Coreia do Sul registram…, 2024).

Nestes países, o problema pode estar relacionado com diversos motivos, entre eles a alta carga de trabalho, dificuldade financeira dos principais grupos economicamente ativos na sociedade e o desinteresse por conta de jovens, que se preocupam mais com sua situação financeira, considerando ter filhos algo “muito custoso” (Podemos estar causando…, 2024). Tais fatores e dados mostrados, colaboram para entender a sociedade dos dois países como envelhecidas, o que prejudica os países em diversos motivos, inclusive na mão de obra e arrecadação de impostos, aumentando a preocupação acerca do tema para os dois países (Por falta de mão de obra…, 2021)

Como ressaltado anteriormente, diversas ações governamentais estão sendo executadas, porém, sem sucesso a curto-prazo e isso gera preocupação. Para alguns estudiosos, uma das medidas a curto-prazo mais eficientes é o incentivo a imigração, pois o imigrante pode preencher o espaço no mercado de trabalho que não está sendo aproveitado pelos habitantes locais, além de contribuírem com tributos e uma certa renovação demográfica (Imigrantes fazem bem…, 2018). Porém, diversos grupos nas sociedades japonesas e coreanas são contra uma suposta política migratória, além de interpretarem o fenômeno demográfico de outras maneiras. Um destes grupos são os crescentes grupos de extrema-direita nos respectivos países, já que se aproveitaram desta agenda para tentarem se protagonizar na política de seus países.

Interpretação Extrema-Direita Japonesa: Zaitokukai e Japan First Party

No Japão, os grupos de extrema-direita estão presentes tanto no Partido Liberal Democrata (LDP), que é o maior partido do Japão atualmente, e em movimentos crescentes e em pequenos partidos políticos, como o Japan First Party (JFP) e o Zaitokukai. O último partido e o movimento citado possuem certa ligação tendo em vista um certo caráter xenofóbico e étnico-nacionalistas, além de que o fundador do JFP, Makoto Sakurai, já foi presidente e também é fundador do grupo nacionalista Zaitokukai (O significado por trás…, 2020). O partido e a figura de Makoto Sakurai, podem ser considerados crescentes na sociedade japonesa, pois além de conquistarem simpatia de grupos de jovens na internet, nas eleições de 2020 Sakurai recebeu o dobro dos votos que havia recebido em 2016, saindo de cerca de 90 mil votos para 180 mil (O significado por trás…, 2020). Por mais que os números ainda são pequenos, os resultados assustam pela velocidade no aumento de simpatizantes que se identificam com as pautas consideradas racistas e xenofóbicas (O significado por trás…,2020).

Tais opiniões polêmicas e de caráter radical do político citado e de seu grupo, estão presentes nas questões de imigração e a respeito do decréscimo na taxa de natalidade do país. Para Sakurai e o Japan First Party, a queda na taxa de natalidade ocorre por diversos motivos, entre eles a mudança econômica do país e a concessão de direitos as mulheres, além de identificar que o principal problema que a sociedade japonesa terá com a queda da taxa de natalidade é o aumento no número de estrangeiros (Sakurai,2018). Ainda de acordo com Sakurai, a imigração estrangeira (especialmente de coreanos) [i] no país é algo negativo para os japoneses, pois o  “povo japonês será oprimido e substituído por trabalhadores estrangeiros” (Sakurai,2018). Além disso, os impactos na economia também seriam negativos, já que os estrangeiros são alvo de diversos benefícios (educacionais, sociais e econômicos) do governo, assim prejudicando os cofres públicos japoneses que deveriam focar em isentar os japoneses dos impostos (O significado por trás…, 2020). Outra consequência da imigração que Makoto acredita, é justamente na perda das tradições, culturas e do apagamento da história do país, já que os imigrantes supostamente apagaram tais costumes.

Além de interpretar o fenômeno, Makoto e a Zaitokukai também propõem uma solução: deixar o número de habitantes do Japão caírem para 80 milhões, assim mudando a estrutura social do país e promovendo a mudança de pessoas do campo para os grandes centros como Tóquio, Osaka e Kyoto (Sakurai, 2018). Ademais, Makoto ressalta que a ideia de ficar acima de 100 milhões de habitantes do governo japonês é ruim, pois o Japão não suportaria esta quantidade de pessoas em um futuro próximo (Sakurai, 2018).

Assim, percebe-se que no Japão  o discurso radical acerca das duas temáticas são presentes, mesmo que sejam em pequenos grupos, as figuras de extrema-direita aparecem e propõem planos que vão conquistando certo apoio eleitoral. Porém, na  Coreia do Sul estas ideias associadas a extrema-direita conquistaram uma forte base eleitoral e elegeram o atual presidente Yoon Suk-yeol.

Yoon Suk-yeol: Taxa de Natalidade e Feminismo

Na Coreia do Sul, a estrutura política do país consolidada impede a ascensão e consolidação de outros partidos, pois o sistema eleitoral misto [ii] do país favorece os dois partidos principais e dificulta oportunidade do surgimento de um terceiro (Hwang, 2020). Porém, com os recentes acontecimentos no país, como o impeachment e a prisão da ex-presidente Park Geun-hye e a dissolução do partido de direita da ex-governante, foi criada a oportunidade para o surgimento e a reestruturação de partidos, personagens e discursos da direita radical (Hwang, 2020). Umas dessas figuras é justamente Yoon Suk-yeol que a partir do seu desempenho como Procurador Geral da Coreia do Sul e discursos fortes bem à direita,foi eleito presidente em 2022. (Yoon Suk-yeol é o…, 2022)

Desde que assumiu a presidência, o ex-procurador se caracteriza como defensor do Estado de Direito, anticomunista e antifeminista, além de ter deferido diversos elogios a figuras polêmicas e de extrema-direita da Coreia como os ex-ditadores Park Chung-hee (pai da ex-presidente Park Geun-hye) e Chun Doo-hwan (Yoon Suk-yeol é o…, 2022). Ademais, promoveu alguns atos considerados por muitos regulação da mídia para uma tentativa de manutenção da sua aprovação pública, que é muito baixa (A supressão da imprensa…, 2023). Estes discursos e ações polêmicas também se envolvem na temática envolvendo a taxa de natalidade e se vinculam com a imigração, principalmente no que corresponde a imigrantes chineses, norte-coreanos e aqueles oriundos de países muçulmanos.(Hwang, 2020).

Dessa maneira, para Yoon Suk-yeol o problema na taxa de natalidade coreana pode estar atrelada a diversos motivos, entre eles o feminismo político que cria uma relação tóxica entre o marido e a mulher, impedindo-os de terem filhos (Yoon Suk-yeol “Dizem que…, 2021). Além disso, afirma que programas de imigração e benefícios sociais não podem resolver a problemática dos nascimentos no país, pois além de gastarem dinheiro de impostos, a solução deveria atingir problemas estruturais do país  (Yoon Suk-yeol “Dizem que…, 2021). Quando perguntado sobre esta afirmação, o atual presidente não se desculpou e muito menos se retratou, somente mencionou que estava “avaliando certos boatos”  (Yoon Suk-yeol “Dizem que…, 2021).  Com relação à imigração, o presidente, na época candidato, comentou que os coreanos estão perdendo seu espaço na sociedade, em especial no âmbito da saúde, pois os planos de saúde são dominados por estrangeiros, em especial, chineses, que preenchem as vagas que deveriam ser coreanas (O candidato Yoon…, 2021).

Até o momento, as medidas adotadas por Yoon Suk-yeol não parecem estar abordando ou mitigando o problema demográfico, visto que, de acordo com especialistas, elas não alcançam os adolescentes e outros setores da sociedade, beneficiando principalmente casais mais velhos e alguns recém-casados (Governo de Yoon…, 2024). Apesar disso, o programa governamental de Yoon Suk-yeol continua em vigor, sem incluir melhorias significativas ou expansões nas oportunidades de emprego para os jovens (Governo de Yoon…, 2024). Ademais, o governo sul-coreano está com um projeto de aumentar as horas de trabalho semanais para 69 horas, gerando preocupação nos jovens e aos especialistas que consideram a taxa de natalidade estar baixa por conta da alta jornada de trabalho no país que é de 52 horas (Coreia do Sul repensa…, 2023).

Por fim, é necessário ressaltar que por mais que se observa uma radicalização no discurso de políticos sul-coreanos, tanto a população sul-coreana e grupos de extrema-direita estão se desvinculando de Yoon Suk-yeol, tendo em vista sua taxa de desaprovação de 56% contra uma taxa aprovação de 34%, que já foi menor (Todas as políticas são…,2024).

Considerações finais

A partir disso, percebe-se que estes grupos estão alinhados a retórica da agenda da extrema-direita ocidental, mostrando que a tendência de crescimento destes grupos chegou no oriente. Esta retórica consiste em se mostrem preocupados com a situação, porém recheando a solução do problema com elementos prejudiciais e tóxicos para uma sociedade: os elementos xenofóbicos, supremacistas e misóginos. Estes fatores não contribuem para a melhora das taxas de natalidade dos países, pelo contrário, só fortalecem e aceleram o problema demográfico, além de fortalecerem o ódio e a rejeição a diferentes grupos sociais.

Com base na leitura de materiais e na redação do texto, observa-se que a população japonesa e sul-coreana, especialmente os jovens, está presa em um modelo econômico e social que estimula a se concentrar exclusivamente em trabalhar para sobreviver. Neste contexto, torna-se crucial que, em vez de se alinharem com a agenda da extrema-direita global, a sociedade civil destes países se mobilize para reformar esse sistema socioeconômico, buscando oferecer melhores condições de vida e de trabalho para seus cidadãos, permitindo-lhes construir uma vida saudável e ter a possibilidade financeira de criar filhos.

Referências:

FOLHA DE SÃO PAULO. Três causas da recessão do Japão, que deixou de ser 3ª economia mundial. Folha de São Paulo, 19 fev 2024. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/02/tres-causas-da-recessao-do-japao-que-deixou-de-ser-3a-economia-mundial.shtml#:~:text=No%20Jap%C3%A3o%2C%20o%20consumo%20privado,crescimento%20de%200%2C1%25.&text=O%20decl%C3%ADnio%20foi%20atribu%C3%ADdo%20ao,a%20comprar%20roupas%20de%20inverno>.

HWANG, Injeong. Who are the “far-right” in Korea? Sungkyunkwan University, out 2020. Disponível em: <https://scc.sogang.ac.kr/Download?>

HYEON-JOO, KI. O governo de Yoon Seok-yeol se concentra apenas no ‘nascimento’. The Pressian, 09 fev 2024. Disponível em: <https://www.pressian.com/pages/articles/2024020814515122432>

HYUN-SU, Yim. Is Yoon Suk-yeol the South Korean Trump?. The Korea Herald, 02 mar 2022. Disponível em: <https://www.koreaherald.com/view.php?ud=20220228000935>

VEJA ABRIL. Imigrantes fazem bem à economia, conclui estudo. Veja Abril, 20 jun. 2018. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/ciencia/imigrantes-fazem-bem-a-economia-conclui-estudo>

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JIN-WOOK, Shin. Why is Yoon crawling further toward the far right?. Hankyoreh, 23 out 2023. Disponível em: <https://english.hani.co.kr/arti/english_edition/english_editorials/1111385>

MACKENZIE, Jean. ‘Podemos estar causando nossa própria extinção’: por que sul-coreanas não estão tendo filhos?. BBC News, 01 mar 2024. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/articles/cw54y440gv0o>

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YEE, Wesley Hitomo. “Making Japan Great Again”: Japan’s Liberal Democratic Party as a Far Right Movement. University of San Francisco, jan 2018. Disponível em: <https://repository.usfca.edu/honors/23/>

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Notas de Rodapé

[i]: Makoto Sakurai é conhecido pelo seu discurso de ódio aos coreanos, tendo produzido diversas obras como “O período anti-Coreia, Diário anti-coreano e o Manual para repelir coreanos anti-japoneses”. Além disso, faz diversos ataques verbais a escolas de coreanos e a coreanos, dizendo que as escolas coreanas no país devem ser fechadas e também que “a Coreia do Sul é um país raro que se odeia mais quanto mais se aprende sobre ele”.

[ii]: O Sistema Eleitoral Misto é um sistema eleitoral que define o número de cadeiras no parlamente do país a partir do voto da maioria e o Sistema Distrital para a eleição de representantes políticos. Com relação aos votos da maioria, o partido conquista a quantidade de cadeiras proporcional a porcentagem dos votos conquistados. Já com relação ao Sistema Distrital, o país é dividido em diversos distritos, onde um candidato por distrito é eleito e acaba representando o distrito no qual foi eleito.

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