A crise climática no Oriente Médio: catalisador de conflitos e desafios para a estabilidade regional

Larissa Cristina Silva Ribeiro
Maria Eduarda Soares de Brito

Resumo

As fortes chuvas que atingiram o Oriente Médio nas últimas semanas, seguindo um longo período de fortes secas e altas temperaturas, são demonstrações da crise climática que vem se intensificando na região há algumas décadas, e que é ignorada pelos atores que atuam na extração do petróleo, principal produto da pauta exportadora. Nesse sentido, o presente artigo busca entender a evolução dessa crise, apresentando a conjuntura recente e as consequências possíveis de uma crise que não é somente climática, mas também social.

As recentes enxurradas que atingiram a região

O Oriente Médio tem sido noticiado nas últimas semanas pelas chuvas torrenciais que assolaram a região, ocasionando enchentes que tiveram impactos como o cancelamento de voos e também mortes. O evento de precipitação extrema foi associado a um sistema de baixa pressão, inicialmente originário da latitude média da Europa Oriental, que induziu tempestades violentas. E apesar da região ser marcada por longos períodos de estiagem e, posteriormente, por chuvas fortes e irregulares, os acontecimentos recentes não condizem com esse padrão, são reflexos das ações humanas que ocasionam mudanças do clima no planeta. 

As consequências destas chuvas foram percebidas em diferentes nações próximas ao Golfo Pérsico. No Omã, país ao extremo leste da região, registrou mais de cem milímetros de precipitação em abril de 2024, alagando diversas cidades, como em Samad A’Shan, onde carros foram arrastados e ocasionando o falecimento de moradores. Ao total, o país registrou cerca de vinte mortes e o Comitê Nacional de Gestão de Emergências alertou sobre a busca de desaparecidos durante a tempestade, o governo de Omã decretou folga administrativa para os setores públicos e privados e incentivou que os residentes das áreas de mais risco procurassem abrigos. 

Os Emirados Árabes Unidos também foram atingidos pelo temporal, considerado o maior deságue em 70 anos, a cidade de Dubai registrou, em apenas vinte e quatro horas, cerca de cento e quarenta milímetros de água. Foi observado que as chuvas sequenciais em abril de 2024 representam o que era esperado de chuva para o ano todo, como consequência, as ruas da cidade foram inundadas e os voos que teriam o Aeroporto Internacional de Dubai como destino foram redirecionados, bem como os voos que o teriam como ponto de partida foram adiados. As autoridades árabes enviaram “caminhões-tanque” às ruas para bombear a água, além disso, escolas foram fechadas e trabalhadores foram instruídos a ficarem em domicílio e aguardar melhores condições climáticas.

Ambos os países praticam “semeadura”, técnica que visa estimular, em certa medida, a precipitação, o que foi usado como uma das hipóteses da tempestade que assolou a região. Porém, o Dr Friederike Otto, Professor Sênior de Ciência do Clima no Instituto Grantham- Mudanças Climáticas e Meio Ambiente, afirma que a técnica apenas incentiva a precipitação que está se formando e não cria nuvens para chover, neste sentido, advoga em seu argumento que as razões para tal acontecimento estão especialmente ligadas às mudanças do clima no Oriente Médio, provenientes da queima de petróleo, carvão e gás.

O comércio de petróleo e a evolução da crise ao longo de 50 anos

O fenômeno da mudança climática não teve início com as atividades recentes, mas sim com uma série de acontecimentos ao longo dos últimos séculos, se intensificando nas últimas décadas. Com o descobrimento do petróleo na região em meados do século XX, o Oriente Médio se viu alvo da atenção das grandes potências ocidentais, como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. O recurso se tornou rapidamente objeto de poder e fundamental para 3° Revolução Industrial, devido à sua capacidade produtiva de energia. Ademais, se tornou objeto de disputa durante a Guerra Fria e também após seu fim. 

Nas últimas décadas do século, foi possível perceber um aumento do poder regional de países como a Arábia Saudita, aliada dos EUA, e do Iraque, que também ganhava poder com a exploração do petróleo mas que não era aliado do ocidente. No início dos anos 2000, “Dentro do pretexto da Guerra ao Terrorismo, os EUA acabaram com o regime de Saddan Hussein, […] e fortaleceram seu controle sobre o Oriente Médio”, disse Diao Daming, pesquisador, ao CGTN (China Global Television Network). Desde então, a importância do petróleo só tem se intensificado, ainda mais com a mais nova Revolução Industrial, que teve início na última década. O petróleo se tornou fonte imprescindível de energização das novas tecnologias, o que leva, inevitavelmente, à intensificação da participação dos governos e empresas ocidentais na extração do recurso mais valioso da região. 

A extração de petróleo no Oriente Médio é uma das principais fontes de capital da região, o que criou economias quase totalmente dependentes deste recurso. Em pouco tempo, na década de 1970, o descobrimento de novas fontes de petróleo e a extração financiada por grandes empresas trouxe olhos de importantes atores internacionais para os países onde essa produção ganhava força. O comércio petrolífero é muito rentável, trazendo muito lucro para os produtores, mas é ambíguo na opinião da população das nações. Variando entre o receio de serem controlados por empresas estrangeiras e os possíveis impactos que a extração de petróleo pode ter em suas vidas, a maior preocupação relacionada à atividade é a mudança do clima ocasionada pela ação humana. 

A região, uma área conhecida por seu clima desértico, sofre com as chuvas irregulares e as secas prolongadas, além das temperaturas extremamente altas, causadas principalmente pelo progresso do Efeito Estufa. O Oriente Médio faz parte uma das regiões mais instáveis de todo o globo, instabilidade essa que existe por vários motivos, variando entre as décadas de conflito interno e as crises humanitárias que se seguiram. 

Diversas pesquisas mostram que a ação humana tem uma grande participação nessas mudanças, o Oriente Médio está entre as regiões mais afetadas por alterações significativas no ambiente,com uma baixa capacidade de se adaptar em situações como a atual crise climática. Isso representa uma ameaça direta para a segurança alimentar e hídrica da região, especialmente em áreas já vulneráveis devido à escassez de recursos naturais. A agência humana sobre o meio ambiente, ocasionando estas alterações climáticas, têm consequências tanto sociais quanto econômicas, como é explícito em diversos países da região conhecida como MENA [i] – Oriente Médio e Norte Africano, uma das regiões de maior fragilidade do globo. Nos últimos 30 anos, o contraste brusco entre altas temperaturas e chuvas intensas causaram a perda de diversas vidas, além da diminuição da quantidade de empregos disponíveis, uma vez que a economia é enfraquecida. 

Em contraponto, países que recebem maior investimento exterior, onde a extração de petróleo tem uma grande importância, como o Iraque, que recebe uma enorme quantidade de capital que é usado para produção alimentícia e exportadora, tem uma facilidade maior em lidar com as consequências advindas da intensificação dos eventos que assolam a região. Entre os principais efeitos, é possível encontrar a maximização de desigualdades já existentes e aumento nos conflitos locais, podendo colocar como destaque aquelas relacionadas à distribuição de água e terra, desprezados por ambas as autoridades locais e grandes lideranças internacionais, que são atores com grande participação no comércio que ocasionou a crise climática em primeiro lugar.

As consequências ambientais e sociais da crise climática

A conjuntura atual vem sendo pauta dentre os cientistas e estudiosos das mudanças climáticas, com foco na análise e preocupações proeminentes das alterações da mesma. A questão envolve além da necessidade de compreensão e ação dos atores, as consequências sociais oriundas do mesmo, como a escassez hídrica, a queda e, em certa medida, impossibilidade de produção agrícola e a migração emergente e forçada devido às altas temperaturas e a insuficiência dos recursos naturais.   

No que concerne às emissões de dióxido de carbono (CO₂) no mundo, o Oriente Médio representa significativa porcentagem de CO₂, de modo que desde o início do século houve um crescente de aproximadamente 10% na emissão do gás na região. Em 2022, o continente apresentou aumento de 0,36% de gases emitidos, provenientes da queima de combustíveis fósseis e indústrias, dentre esta informação, o país que mais poluiu a atmosfera na região foi o Irã, que, em pesquisa de 2022 da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (NASA), ocupa a oitava posição no ranking de emissão de todos os Estados do mundo.

Em 2022, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP-27, fora apresentado um estudo sobre o aquecimento global e como o Oriente Médio está situado na pauta das alterações do clima. Conseguinte a isso, o relatório proposto pela equipe do Instituto Max Planck de Química em associação com o Centro de Pesquisa do Clima e da Atmosfera do Instituto Chipre afirma que a temperatura regional pode aquecer cerca de 5º C até o fim do século, acirrando a crise hídrica e alimentar já existente, que pode ser agravada com o aumento do nível do mar e o despreparo dos países do Oriente Médio sob tal circunstância. Ademais, os cientistas alegam que é possível estabilizar o aquecimento, desde que as políticas sejam eficazes e que os Estados adotem as metas do Acordo de Paris, este tem como principal objetivo reduzir as emissões dos Gases do Efeito Estufa (GEE) [ii] partindo de metas estipuladas por cada nação que ratificou o acordo, visando diminuição da temperatura do planeta.

Neste sentido, o Irã, maior emissor da região, não ratificou o Acordo de Paris, apesar de ser um dos países que mais enfrenta as fortes mudanças do clima no Oriente Médio. O governo iraniano afirmou que, em 2024, cerca de 800 mil moradores executaram um deslocamento interno forçado devido à seca, às inundações e às condições meteorológicas extremas, além disso, há a emigração para outras nações, visto que a forte escassez de água não permite a produção agropecuária, resultando também em uma crise alimentícia. Em contrapartida, os Estados que ratificaram o Acordo de Paris, como a Arábia Saudita, Bahrein e os Emirados Árabes Unidos, comprometeram-se a seguir os objetivos apresentados nas conferências sobre o clima para atingir emissões líquidas zero, os dois primeiros com metas até 2060 e o último com meta até 2050, apesar de serem datas diferentes das estipuladas pelo Acordo. 

Desse modo, há disputas pelas poucas redes fluviais existentes na região, de modo que o Irã, a Turquia, nação no leste europeu, e o Afeganistão constituem embates frequentes pela posse da água, estes impasses têm raízes na apropriação dos rios e da criação de barragens, ao passo que ajudam a desviar e gerir a água, também ocasionam na secagem de zonas úmidas e lagos. Isto posto, os governos dessas nações seguem sem conseguir solucionar a questão da gestão dos rios Aras, Arvand e Helmand, houve tentativa de resolução por parte da Organização das Nações Unidas (ONU), porém não foi bem-sucedida e, dessa forma, a incapacidade da organização pode agravar as fricções sociais já reais. 

As crises migratórias no Oriente Médio tendem a se agravar devido à junção das mudanças do clima com conflitos locais, e, visto que a região possui ambas as questões, é esperado aumento migratório doméstico ou interestatal. Ademais, as instituições não conseguem agir de modo a melhorar a situação ou negociar com os países para diminuir a poluição e emissão  dos Gases de Efeito Estufa (GEE). É neste ponto, segundo o Doutor Johan Schaar em sua análise em conjunto com o Departamento de Assuntos Políticos e de Consolidação da Paz das Nações Unidas (DPPA) e o Departamento de Operações de Paz (DPO), em que o deslocamento torna-se crônico e de longo prazo, acentuando as desigualdades entre aqueles que conseguem migrar para locais amenos e aqueles nos quais a migração não alcança melhoria em sua forma de vida.  

Notas de fim

[i] MENA: sigla em inglês, significa Middle East and North Africa, ou seja, Oriente Médio e Norte da África.

[ii] Gases do Efeito Estufa (GEE): gases naturalmente presentes na atmosfera e que absorvem parte da radiação infravermelha emitida pelo Sol e refletida pela superfície terrestre, dificultando o escape do calor para o espaço.

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