O redirecionamento das relações internacionais na região do Sahel e os impactos da retirada das tropas norte-americanas do Níger

Maria Silveira Bueno Ferreira de Sousa
Renan José de Almeida

Resumo

Após o anúncio do governo dos Estados Unidos sobre a retirada de suas forças militares do Níger, país da África Ocidental, a influência norte-americana na região foi questionada. O presente artigo tem como objetivo explorar os acontecimentos e as pressões que levaram a esse distanciamento nas relações entre os dois países. Além disso, busca-se analisar o impacto dessa retirada sobre o esforço antiterrorista dos Estados Unidos e, em paralelo, examinar a aproximação com novos atores, como a Rússia, que visa garantir a sua influência na região.

A saída das tropas militares dos EUA no Níger após pressões do governo local e manifestações populares

Em 19 de abril deste ano, autoridades norte-americanas anunciaram ao governo do Níger que iriam acatar o pedido que solicitava a retirada das forças militares dos EUA do seu território. Em março, o governo do país africano anunciou que iria revogar o seu acordo de cooperação militar com os Estados Unidos, este que autorizava que o aparato militar estadunidense operasse a partir do Níger, que possui um território estratégico nas operações militares na região oeste e central do continente africano. Como razão desse rompimento, as autoridades da nação africana salientaram que o governo norte-americano acusou o país de se aproximar e desenvolver relações e acordos secretos com a Rússia e o Irã e, dessa forma, foi denunciado um alinhamento de interesses com esses atores, como a ampliação da presença russa na região. Nesse contexto, as autoridades dos Estados Unidos manifestaram a possibilidade de tomar medidas contra o Níger, caso as suas relações com os governos russo e iraniano não fossem reduzidas, situação que intensificou os esforços do país para romper o pacto militar com a potência norte-americana.

As forças militares dos EUA tinham como foco combater a presença de movimentos terroristas, como o Estado Islâmico e o Jama’at Nasr al-Islam wal Muslimin, uma coalizão jihadista afiliada à al-Qaeda, na região do Sahel. Dessa forma, a aceitação deste acordo proposto pelo Níger denota a retirada de mais de 1.000 soldados norte-americanos. Bem como a retirada de militares que atuavam em uma grande base aérea localizada em Agadez, cidade situada a aproximadamente 920 quilômetros de Niamey, capital do Níger, utilizada para voos tripulados e não tripulados, para vigilância e para operações de drones contra facções armadas filiadas ao Estado Islamico e à Al-Qaeda. Desde 2018, essas bases têm sido utilizadas como pontos de extrema relevância para os EUA para as suas operações, devido à sua localização estratégica na região do Sahel, que abrange países da África Ocidental e o deserto do Saara, uma das áreas mais afetadas pelo terrorismo globalmente.

Segundo o Índice Global de Terrorismo de 2023, produzido pelo Instituto de Economia e Paz (IEP), a região do Sahel foi berço de cerca de 40% das mortes globais ocasionadas por movimentos terroristas [i], um aumento de aproximadamente 7% em comparação à pesquisa anterior. Apesar da região possuir uma presença das tropas norte-americanas para o combate ao terrorismo, a violência continua a crescer, fator que amplia a insatisfasção em relação a presença norte-americana. Além disso, as manifestações populares contra a presença dos EUA no Níger, onde bandeiras de Burkina Faso, Mali e Rússia foram exibidas, refletem um crescente apoio ao afastamento das influências ocidentais e à aproximação com países da região, além do fortalecimento das relações com a nação russa. Nesse sentido, a retirada proposta pelo acordo resultará no enfraquecimento da presença dos EUA e da sua influência no Níger, que já estava ameaçada devido à crescente insatisfação governamental e popular.

A presença norte-americana no Níger e sua influência sobre o grupo de países do Sahel

Em julho de 2023, ocorreu o golpe de Estado militar no Níger, no qual as forças armadas tomaram o poder e destituíram o presidente Mohamed Bazoum. Assim, após suspenderem a constituição, nomearam Abdourahamane Tchiani como “presidente do Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria”, a junta militar que derrubou o governo de Bazoum. O general Tchiani, chefe da Guarda Presidencial desde 2011, justificou o golpe pela “deterioração da situação de segurança” no país africano, devastado pela violência de grupos jihadistas. A razão mais provável para o golpe é que certos oficiais do exército queriam manter as suas posições e influência sobre o poder político e bloquear qualquer tentativa do presidente civil de marginalizar a influência dos militares. Refletindo problemas crescentes de segurança e lutas internas pelo poder de modo semelhante aos países da região. 

Além disso, cabe ressaltar que o Níger está situado na região de Sahel, faixa de países localizada em uma área de transição abaixo do deserto do Saara e acima das savanas do Centro-Norte da África, marcada por  um alto grau de fragilidade estatal e pela ocorrência de  golpes militares desde 2019. Atualmente os desafios enfrentados na região de Sahel englobam questões humanitárias e de segurança da população, relacionados também à vulnerabilidade climática e que somados à atuação de grupos violentos provocam uma instabilidade na área. Assim, regimes militares agora controlam esse bloco de países que se estende desde o Oceano Atlântico, a oeste, até ao Mar Vermelho, a leste. Nesse sentido, de 2020 a 2023, os governos “transitórios” liderados por militares no Mali, no Níger e no Burkina Faso têm despertado a atenção para o sentimento anticolonial, sobretudo, direcionado à França, antiga potência colonial. 

Entre 2012 e 2022, o envolvimento americano na luta contra o terrorismo no Sahel aumentou, principalmente a partir da Parceria Trans-Sahariana de Combate ao Terrorismo [ii], lançada em 2005 para “eliminar os refúgios seguros dos terroristas no noroeste de África”. Em 2012, grupos com ligações à Al Qaeda e ao que viria a tornar-se o Estado Islâmico tomaram um território relativamente contido no norte do Mali, depois disso, espalhou-se pela área da tríplice fronteira e depois mais profundamente pelo oeste do Níger e pelo norte e centro do Burkina Faso. Em paralelo a isso, em janeiro deste ano, Níger, Mali e Burkina Faso anunciaram o abandono em relação à Comunidade Econômica Africana (CEDEAO), após o bloco econômico aplicar sanções aos três países.

Todavia, de acordo com um inquérito realizado pelo Instituto Afrobarômetro em 2022, 64% da população opõe-se à utilização de forças estrangeiras para proteger o país. Apenas 6,1% dos inquiridos consideraram desejável o apoio das forças francesas ou dos seus aliados da União Europeia, enquanto 4,1% consideraram desejável o apoio das forças americanas. Dito isso, deve-se levar em consideração que o golpe abreviou a presença militar de diversas potências visto que, a presença de tropas estrangeiras tornou-se impopular pela opinião pública na África Ocidental, para além do Sahel. 

A saída dos militares dos EUA, nesse caso, ocorre em um momento em que o Níger, assim como o Mali e o Burkina Faso, se afastam dos Estados Unidos e formam parcerias com a Rússia – ou pelo menos exploram laços de segurança mais estreitos com Moscou. No que diz respeito a Niger, em dezembro de 2023, o líder do CNSP, General Tchiani, deu as boas-vindas ao vice-ministro da Defesa russo, Coronel General Yunus-Bek Yevkurov, e assinou um novo acordo de segurança com Moscou, sinalizando o estreitamento das relações com o Estado russo. À vista disso, cabe ressaltar que, apesar da presença das forças militares dos EUA por quase uma década no território do Níger, a violência perpetuada por grupos terroristas ainda persiste, o que culmina na busca do país em garantir novos laços para assegurar a segurança na região. 

O redirecionamento político de Níger: o distanciamento da potência norte-americana e a aproximação com novos atores

Em primeiro lugar, nota-se que a importância do Níger foi ampliada ainda mais para os Estados Unidos após o fim das atividades militares francesas por Mali, Burkina Faso e Níger, que cessaram décadas de operações francesas de combate ao terrorismo na região. Além disso, o acordo militar entre os Estados Unidos e o Níger constituía um elemento crítico da estratégia antiterrorista dos EUA, facilitando a presença militar em peso da potência através de bases aéreas no território, devido, sobretudo, à Base Aérea 201, nas proximidades de Agadez. Além disso, é necessário sublinhar que a retirada dos Estados Unidos do Níger, além de enfraquecer as iniciativas antiterroristas na região, também prejudicaria os esforços dos EUA em combater a ascensão de potências como a Rússia e a China.

Em acréscimo a isso, verifica-se que houve o aumento da violência na região desde o último golpe de Estado, ocorrido no Gabão em 30 de agosto de 2023, como consequência do fortalecimento de movimentos radicais, culminando em uma aproximação do governo do Níger com a Rússia em relação à segurança do território. Nesse contexto, com a tentativa de distanciamento das relações ocidentais evidenciada pelo declínio das influências militares francesas no último ano e pelo anúncio recente da retirada das tropas americanas, o governo russo vislumbrou uma oportunidade para ampliar sua influência na região. Atualmente, é a força militar russa que assume o papel principal no fornecimento de mecanismos para garantir a segurança da área. Em abril, o governo russo enviou treinadores com novos sistemas de defesa aérea e outros mecanismos, que possuem como objetivo aprimorar o aparato militar do país para combater as forças terroristas. 

Ademais, é relevante destacar que a Rússia possui objetivos no âmbito diplomático, militar e econômico com a sua aproximação no continente africano, particularmente com o recente fortalecimento das relações com o Níger. Do ponto de vista diplomático, a Rússia enfrenta um isolamento internacional [iii], devido ao seu posicionamento no conflitocontra a Ucrânia, e busca novos aliados para legitimar suas posições na política global. No aspecto econômico, as grandes reservas de minerais também motivam a presença russa na região, cabe ressaltar que o Níger é um dos maiores produtores de urânio do mundo, mineral que possui um papel de extrema importância na produção de energia. Já no quesito militar, tendo em vista o aumento de fornecimento de ajuda militar por parte do governo russo, a presença de bases e a cooperação neste âmbito ocasiona uma presença mais ativa e, como consequência, uma ampliação na sua influência na região. Nesse sentido, torna-se evidente que o atual distanciamento dos Estados Unidos e o crescimento do sentimento antiocidental contribuem para a expansão e consolidação desses objetivos.

Além disso, dias após o anúncio da retirada das tropas norte-americanas do Níger, o Pentágono está a ser forçado a retirar cerca de 75 militares das Forças Especiais do Exército que trabalham em Ndjamena, capital do Chade, em resposta às exigências dos governos africanos de renegociar as regras e condições sob as quais o pessoal militar dos EUA pode operar. Refletindo, também, um desafio e desacordo às potências ocidentais, isto é, uma consciência crescente entre os africanos questões do continente podem ser melhor abordadas pelos próprios Estados africanos.

Torna-se evidente, também, que o atual distanciamento dos Estados Unidos e o crescimento do sentimento antiocidental contribuem para a expansão e consolidação desses objetivos. De todo modo, a saída americana do Níger tem um impacto profundo no seu papel como líder mundial de paz e segurança, principalmente após sua dificuldade em prevenir e controlar conflitos em outras áreas de influência, como Gaza, Iêmen, Sudão e Ucrânia. Abrindo espaço, assim, para que potências como China e Rússia iniciem diálogos com Estados anteriormente monitorados pelos Estados Unidos. 


Notas de fim

[i] A região do Sahel é um dos principais territórios de atuação de grupos terroristas no mundo, como o Estado Islâmico, que possui uma presença ativa na área. 

[ii] Parceria Trans-Sahariana de Combate ao Terrorismo é uma estratégia norte-americana que visa trabalhar para combater e prevenir o extremismo violento, capacitando os países parceiros para fornecerem esforços de segurança eficazes e responsáveis.

[iii] Desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro de 2022, diversos atores como, União Europeia, o Japão, a Austrália, a Nova Zelândia entre outros, impuseram sanções contra a Rússia. Incluindo medidas restritivas específicas (sanções individuais), sanções econômicas, medidas diplomáticas e medidas em matéria de vistos.

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