A crise diplomática entre México e Equador

Carolina de Lima Montela

Resumo

O presente artigo tem por objetivo analisar a crise diplomática entre o México e o Equador em abril deste ano, apresentando uma contextualização das origens da crise, a repercussão internacional, sobretudo entre os países da América Latina, e as possíveis consequências políticas e econômicas para o Equador. 

O início da crise

O México e Equador protagonizaram a mais recente crise diplomática da América Latina, que se iniciou quando a polícia equatoriana invadiu a embaixada mexicana em Quito e prendeu o ex-vice-presidente do país Jorge Glas (BBC, 2024). Esse evento levou o México a romper as relações diplomáticas com o governo do Equador, em uma crise diplomática bilateral. Pela primeira vez em 45 anos o governo mexicano decidiu romper as relações com um país, uma medida considerada mais extrema, para além da usual prática de retirada de embaixadores e diplomatas (Maihold, 2024).

Jorge Glas, aliado do ex-presidente Rafael Correa, ocupou a vice-presidência do Equador entre 2013 e 2018 e foi condenado duas vezes pela Justiça equatoriana por corrupção (BBC, 2024). A primeira foi relacionada ao envolvimento em irregularidades ligadas à Odebrecht(i), tendo sido condenado a seis anos de prisão e, posteriormente, foi sentenciado culpado pelo crime de suborno agravado, recebendo uma sentença de oito anos (O Globo, 2024). As investigações apontavam para uma rede de corrupção que envolvia Correa, Glas e outros funcionários do governo, os quais negociavam contribuições de empresas multinacionais para o partido Aliança País (ibidem). Na época, a Corte Nacional de Justiça do Equador avaliou que Glas era um dos principais responsáveis pelo crime de associação ilícita e determinou que houvesse “uma indenização de 33,3 milhões (R$167 milhões, na cotação atual) ao Estado” (O Globo, 2024).

Segundo investigações, essa era a quantia que a construtora brasileira pagou em propinas no Equador entre 2007 e 2016; no entanto, Glas negou, afirmando que o caso era uma “conspiração” da Odebrecht contra ele (O Globo, 2024). Após ter passado cinco anos na prisão por envolvimento nestes casos de corrupção e, graças a um recurso de habeas corpus, Glas obteve a liberdade condicional em 2022 (ibidem). Entretanto, os processos judiciais continuaram e, em 2023, ele foi novamente convocado pelo Tribunal para responder por outro caso de corrupção, relacionado ao desvio de fundos destinados a trabalhos de reconstrução da província costeira de Manabí, após um terremoto em 2016 (BBC, 2024). Antes que o novo mandato de prisão fosse emitido, Glas se antecipou e se refugiou na embaixada mexicana, em uma tentativa de evitar retornar à prisão. Diante dessas condenações, o político estava na embaixada desde dezembro de 2023, e a situação o levou a solicitar asilo ao México por “temor por sua segurança e liberdade pessoal” (ibidem).

Cabe ainda mencionar que, nos últimos anos, o país concedeu asilo ou refúgio a outros ex-colaboradores do ex-presidente equatoriano Rafael Correa, também condenado por corrupção no Equador, vivendo atualmente na Bélgica sob asilo político (BBC, 2014). O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, além de defender a concessão de asilo no México, afirmou estar  agindo em plena conformidade com as convenções internacionais (ibidem). Faz-se necessário informar, ainda, que o presidente mexicano já gerou conflitos e interações complicadas com outros países da região: recusou-se a reconhecer o governo de Dina Boluarte no Peru, e a transferir para ela a presidência pro tempore da Aliança do Pacífico, o que levou à retirada do embaixador peruano no México; e concedeu asilo político a Evo Morales após este renunciar ao poder na Bolívia (Maihold, 2024).

A invasão à embaixada e antecedentes

A invasão à embaixada do México em Quito aconteceu horas depois de o governo de López Obrador informar que tinha concedido asilo político a Jorge Glas (BBC, 2024). Inclusive, o governo mexicano já havia rejeitado uma solicitação do Equador para permitir a captura de Glas na embaixada (ibidem). Anteriormente à escalada da crise, o presidente mexicano havia comentado sobre a violência política no Equador e a suposta manipulação da mídia nas últimas eleições presidenciais, ao que o Equador respondeu expulsando a embaixadora Raquel Serur do país (UOL, 2024). Logo após a sua expulsão, o México aumentou a tensão ao conceder asilo a Glas (ibidem).

Ao conceder o asilo, o México esperava que o Equador fornecesse o salvo-conduto, ou seja, a autorização para que Glas viajasse para o México (BBC, 2024). Entretanto, o governo do presidente Daniel Noboa se negou a entregar o salvo-conduto e horas depois a polícia invadiu a sede diplomática mexicana em Quito. Após a operação policial, o governo mexicano rompeu as relações diplomáticas com o país andino e reforçou se tratar de “uma violação flagrante ao direito internacional e à soberania do México” (BBC, 2024). Além disso, o presidente mexicano realizou uma denúncia contra Quito na Corte Internacional de Justiça (CIJ), o mais alto órgão judicial das Nações Unidas (ibidem).

É necessário mencionar que as embaixadas “estão protegidas pela inviolabilidade prevista na Convenção de Viena, o que significa que as autoridades locais não podem entrar nas instalações diplomáticas sem o consentimento do país responsável por elas” (BBC, 2024). Em outras palavras, invadir uma embaixada, de acordo com o direito internacional, é como invadir outro país. Por outro lado, o direito internacional também não permite que um criminoso comum se refugie em uma embaixada (UOL, 2024). Sendo assim, o Equador pode argumentar que a embaixada mexicana deu abrigo a um criminoso comum e não a um perseguido político.

Inclusive, o governo equatoriano acusou o México de “exceder suas prerrogativas diplomáticas e criticou a concessão de asilo”, classificando-o como ilegal (BBC, 2024). Além disso, Noboa defendeu a ação ao afirmar que estava agindo em defesa da soberania nacional e da não intervenção de outros países em assuntos internos do Equador (ibidem).  Em meio à crise diplomática, bem como à reação internacional em relação à invasão da embaixada, o governo de Noboa transferiu Glas para a penitenciária de segurança máxima de La Roca, em Guayaquil, reservado aos criminosos mais perigosos do país (Quesada e Mella, 2024).

Cabe observar que esta não é a primeira vez que o Equador viola o direito internacional de asilo. Anteriormente, no governo de Lenín Moreno, o Equador revogou o asilo diplomático ao jornalista Julian Assange, sendo este entregue à Polícia Britânica (Melito, 2024). Moreno violou o princípio do non-refoulement da Convenção de Genebra sobre o estatuto dos refugiados, que prevê a não obrigatoriedade de um Estado conceder asilo, no entanto, se o conceder não pode retirá-lo ou expulsar o asilado (ibidem). Neste caso, porém, os britânicos não violaram a imunidade da embaixada equatoriana em Londres porque foram convidados a entrar pelo governo equatoriano (Melito, 2024).

A reação internacional e possíveis consequências da crise

A crise diplomática entre o Equador e o México coloca em risco não apenas as relações entre o governo equatoriano e o governo mexicano, mas, também, com o restante da América Latina. As imagens da polícia equatoriana escalando as grades da embaixada mexicana e do chefe da missão diplomática, Roberto Canseco, sendo contido pelos agentes de segurança tiveram uma repercussão negativa internacionalmente (UOL, 2024) e, sobretudo, no âmbito regional. Diversos países latino-americanos se posicionaram contra a ação do governo de Noboa. Cuba, Venezuela, Chile, Peru e Argentina criticaram a invasão da embaixada; a  Bolívia, além de criticar a ação, também retirou seu embaixador de Quito (ibidem). Já o presidente da  Nicarágua, Daniel Ortega, suspendeu as relações diplomáticas com o Equador (UOL, 2024).

Por meio do Itamaraty, o governo brasileiro divulgou uma nota na qual condenou “nos mais duros termos” a ação equatoriana e afirmou que a operação é “uma clara violação à Convenção Americana sobre Asilo Diplomático e à Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas” (BBC, 2024). O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, também criticou o Equador e solicitou que tanto a OEA (Organização dos Estados Americanos) (ii) como a Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) (iii) fizessem reuniões de urgência para debater o tema e evitar uma escalada maior das tensões (ibidem). 

O presidente de Honduras, Xiomara Castro de Zelaya, escreveu em sua conta no X (antigo Twitter) que a invasão da embaixada do México “com o objetivo de sequestrar Glas, constitui um ato intolerável para a comunidade internacional, dado que ignora o histórico e fundamental direito ao asilo” (BBC, 2024). Honduras, que exerce a presidência rotativa da Celac neste ano, convocou uma reunião virtual extraordinária, na qual o presidente brasileiro, Luis Inácio Lula da Silva, afirmou que “medida dessa natureza nunca havia ocorrido, nem nos piores momentos de desunião e desentendimento registrados na América Latina e no Caribe” (Brasil, 2024).

De fato, a ação é rara, especialmente na tradição da América Latina, sendo as missões diplomáticas territórios respeitados como invioláveis entre os países, inclusive durante regimes ditatoriais (BBC, 2024). Além disso, é importante mencionar que a ruptura gera, não apenas, implicações políticas como também econômicas. Podem ser aplicadas penalidades financeiras e sanções, além de provocar a exclusão do Equador de certos comitês e votações em organizações multilaterais como a OEA.

Também, pode prejudicar a participação do Equador em projetos de integração latino-americana como, por exemplo, a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), que tem como objetivo “promover o desenvolvimento econômico e social da região, em processo de integração que visa ao estabelecimento, de forma gradual e progressiva, de um mercado comum latino-americano” (Brasil, 2014). O que pode ocasionar  um isolacionismo do país no contexto regional da América Latina. Além disso, a ação do governo equatoriano também pode provocar a paralisação de tratados, gerando repercussões econômicas, podendo prejudicar a balança comercial do país. Um exemplo é a paralisação das negociações entre o México e o Equador, em relação a um tratado de livre comércio para que o país sul-americano possa ingressar na Aliança do Pacífico e, assim, ter acesso ao mercado asiático (UOL, 2024).

Considerações Finais

É notório que a promoção da cooperação tem se tornado cada vez mais difícil em um cenário marcado pela desconfiança mútua e por agendas nacionais divergentes, devido, principalmente, a discrepâncias ideológicas. Por outro lado, percebe-se uma convergência de entendimento entre a maioria dos governos na América Latina de que a invasão de uma embaixada é um equívoco gravíssimo, que fere os princípios de integração e boa vizinhança latino-americanos.

Ao se posicionar sobre a crise entre Equador e México, o governo brasileiro pode estar enviando uma mensagem sobre como procederá caso o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro decida solicitar asilo político, diante das investigações criminais que enfrenta no país. Afinal, em fevereiro deste ano, ele permaneceu dois dias na embaixada da Hungria em Brasília, após ter seu passaporte recolhido pela Polícia Federal. Nesse contexto, ao emitir uma nota de repúdio à invasão da embaixada mexicana pelas autoridades equatorianas, o país pode sinalizar que, numa eventual tentativa de fuga de Bolsonaro, refugiando-se em uma embaixada, o Brasil provavelmente não ultrapassará os limites previstos na Convenção de Viena.

Também é interessante observar a forma como o México e o Equador buscam encontrar respaldo nas leis internacionais para justificar suas respectivas posturas diante da crise. Por um lado, o governo mexicano afirma agir conforme as convenções internacionais, tendo direito de conceder asilo político e condena veementemente a invasão pela polícia de sua embaixada em Quito. Por outro lado, o governo equatoriano classifica o asilo concedido a Jorge Glas como ilegal, afirmando que este é um criminoso comum e não um perseguido político. Todavia, independentemente da justificativa, invadir uma sede diplomática constitui uma violação gravíssima do direito internacional e abre um grave precedente, pois se o Equador toma essa ação e não enfrenta consequências, no futuro, outros países poderão se sentir “encorajados” a fazer o mesmo. 

Referências

BBC. Equador-México: o que está por trás da crise diplomática e quais suas possíveis consequências. BBC, 6 de abr. 2024. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/articles/c2q7qgkx923o>. Acesso em: 19 de maio 2024.

BRASIL. Ministério da Educação. CELAC. Brasília, DF: Ministério da Educação,  29 de mar. 2023.

BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Associação Latino-Americana de Integração (ALADI). Brasília, DF: Ministério das Relações Exteriores, 2014.

BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Lula critica a invasão à embaixada do México no Equador em Cúpula Virtual da Celac. Brasília, DF: Ministério das Relações Exteriores, 2024.

DW. O caso da Odebrecht. DW, 28 de jul. 2020. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/o-ocaso-da-odebrecht/a-54350923. Acesso em: 19 de maio de 2024.

MAIHOLD, Günther.  Lecciones de la crisis diplomática entre Ecuador y México. DW, 18 de abr. 2024. Disponível em:<https://www.dw.com/es/lecciones-de-la-crisis-diplom%C3%A1tica-entre-ecuador-y-m%C3%A9xico/a-68861530>.  Acesso em: 19 de maio 2024.

MELITO, Leandro. Invadir embaixada do México foi ‘ato internacional mais arbitrário’ da história contemporânea do Equador, diz ex-chanceler. Brasil de Fato, 10 de abr. 2024. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2024/04/10/invadir-embaixada-do-mexico-foi-ato-internacional-mais-arbitrario-da-historia-contemporanea-do-equador-diz-ex-chanceler>. Acesso em: 20 de maio 2024.

O GLOBO. Ex-vice-presidente do Equador preso em embaixada foi condenado por associação criminosa no caso Odebrecht. O Globo, 08 de abr. 2024. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2024/04/08/ex-vice-presidente-do-equador-preso-em-embaixada-foi-condenado-por-associacao-criminosa-no-caso-odebrecht-conheca.ghtml>.   Acesso em: 20 de maio 2024.

ORGANIZATION OF AMERICAN STATES (OAS). Who we are. Washington, D.C, maio de 2024.

QUESADA, Juan Diego; MELLA, Carolina. Ecuador encierra a Jorge Glas en una cárcel de máxima seguridad ante la indignación internacional por el asalto a la embajada. El País, 06 de abr. 2024. Disponível em: <https://elpais.com/america/2024-04-07/ecuador-encierra-a-jorge-glas-en-una-carcel-de-maxima-seguridad-ante-la-indignacion-internacional-por-el-asalto-a-la-embajada.html>. Acesso em: 19 de maio 2024.

UOL. Provocações, prisão: por que México e Equador abriram crise diplomática? UOL, 08 de abr. 2024. Disponível em:<https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2024/04/08/por-que-mexico-e-equador-abriram-crise-diplomatica.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso em: 19 de maio 2024.

Notas

(i) A Odebrecht é um conglomerado de mais de 75 anos, protagonista de um gigantesco escândalo de corrupção que “atingiu as mais altas esferas da política brasileira e latino-americana, incluindo vários presidentes e ex-presidentes” e cujo objetivo dos pagamentos ilícitos da empreiteira era obter vantagem em contratos públicos com prefeituras, governos, bancos e estatais (como a Petrobrás) (DW, 2020).

(ii) A Organização dos Estados Americanos (OEA) é o mais antigo organismo regional do mundo, congrega os 35 Estados independentes das Américas e constitui o principal fórum governamental político, jurídico e social do Hemisfério Ocidental (OAS, 2024).

(iii) A Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) é um bloco regional intergovernamental composto por 33 países cujo objetivo é promover o diálogo político e ações de cooperação regional em diversos temas, “como segurança alimentar, energia, educação, saúde, inclusão social, desenvolvimento sustentável, transformação digital e infraestrutura para a integração” (Brasil, 2023).

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