Evolução política e econômica do Egito: desafios domésticos e a política externa

Ana Luiza Rosa

Vívian Trindade Fonseca

Resumo

O presente artigo aborda a história recente da política do Egito, destacando os eventos da Primavera Árabe até a chegada do atual governo. Sob o comando de Al-Sisi, o Egito enfrentou e ainda enfrenta desafios econômicos e políticos, como alta inflação, dependência de importações, além de duras críticas à sua governança autoritária. No âmbito econômico, o Egito busca atrair os investidores estrangeiros a fim de promover o crescimento. Sua recente integração ao BRICS+ põe à mesa questões sobre seu alinhamento geopolítico e suas relações com potências ocidentais, especialmente os EUA, destacando os desafios, e as oportunidades, que o país enfrenta na contemporaneidade.

História e transição política pós-Primavera Árabe

Lar de uma das principais civilizações do mundo antigo, o Egito está localizado no continente africano, contudo, é considerado parte do Oriente Médio dado seus aspectos étnicos, culturais e geopolíticos. Foi ocupado ao longo da história por diversos impérios, como o de Alexandre, o Grande e pelos árabes muçulmanos no século VII d.C. Este último foi responsável pela progressiva incorporação da cultura árabe e da religião islâmica no Egito, que séculos depois se consolidou como um centro cultural e político do Oriente Médio. Sua localização estratégica no cruzamento de rotas comerciais globais sempre foi alvo de interesse de potências ocidentais, fato evidenciado em 1869 com a abertura do Canal de Suez, um estreito que conecta o Mar Mediterrâneo e o Mar Vermelho (Britannica, 2024).

No século XX, com a criação da República Árabe do Egito (1953), após o golpe que colocou Gamal Abdel Nasser (1953-1970) no poder, o Egito passa por um importante período de modernização e desenvolvimento, através de reformas agrárias e de uma acelerada industrialização. Em termos políticos, o governo de Nasser é caracterizado por um forte nacionalismo, autoritarismo e alinhamento com o pan-arabismo[i], que marcou as diretrizes de sua política externa. Os governos subsequentes, de Anwar Al Sadat (1970-1981) e Hosni Mubarak (1981-2011)mantiveram o caráter autoritário, mas por sua vez firmaram um alinhamento definitivo com os Estados Unidos da América, que se tornou um parceiro econômico e diplomático importante (Britannica, 2024). Durante o governo de Mubarak, por exemplo, os EUA tiveram grande influência no combate ao radicalismo islâmico no país, o que, posteriormente, contribuiu para um cenário de grandes tensões sociais, que já no séc XXI, culminaram em manifestações reivindicando liberdades políticas e civis, além de melhores condições de vida (Farias, 2016).

Sendo parte da Primavera Árabe – um movimento popular que lutava a favor da transformação política, iniciado na Tunísia em 2010 e que inspirou grupos de outros países da região – os protestos no Egito foram impulsionados pelo descontentamento de boa parte da população. As revoltas estavam associadas ao rompimento gradual de políticas sociais – relativas à precarização e à falta de auxílio do governo do então presidente Mubarak. O ápice das tensões ocorreu em junho de 2010, quando o movimento de oposição ganhou força com a participação de ONGs, grupos ideológicos à esquerda e trabalhistas, que se aliaram nas ruas para protestar contra o governo de Mubarak, que não resistiu à pressão e renunciou (Um novo Egito, 2014).

A queda de Mubarak representou um período de instabilidade e turbulenta transição política para o Egito, que teve a participação do Conselho Militar Supremo na eleição do futuro representante, Mohammed Morsi – líder do Partido Liberdade e Justiça da Irmandade Muçulmana[ii] – em 2012. Embora tenha havido um otimismo inicial em relação ao governo de Morsi, sua pouca habilidade política em relação à falha dos serviços públicos e à deterioração da segurança, somada ao seu apoio a grupos fundamentalistas e terroristas da Irmandade gerou grande pressão, interna e externa, que culminaram no golpe militar responsável por derrubar o primeiro presidente democraticamente eleito no Egito. Já em 2014, o chefe das Forças Armadas e Ministro da Defesa de Morsi, Abdul Fatah Al-Sisi, foi eleito, marcando a renovação do poder militar no país. Al-Sisi, que governa o Egito até os dias de hoje, recebeu apoio político significativo devido à exaustão da população após anos de instabilidade política e econômica (Um novo Egito, 2014).

O Egito sob Al-Sisi: segurança, infraestrutura e controvérsias

Sob o governo de Al-Sisi, o Egito sofreu ataques crescentes de militares islâmicos, especialmente na Península do Sinai, um local marcado historicamente pelas disputas por controle. Por meio de operações militares, o governo buscou conter os ataques de grupos extremistas que estavam alinhados ao Estado Islâmico no Iraque e no Levante (ISIL)[iii], o que permitiu certa estabilidade ao país, impulsionando a popularidade de Sisi, mesmo com críticas à disposição repressora de seu regime. Não somente, significativos projetos de infraestrutura foram implementados na última década, como a expansão do Canal do Suez e a criação de uma Nova Capital Administrativa (NAC), ao leste do Cairo, também como investimentos e reforma financeira que buscavam a recuperação da economia egípcia e melhores condições de vida para a população (Britannica, 2024).

Recentemente, as alegações de repressão política e violação de direitos humanos estão presentes no discurso de grupos da sociedade civil contra o governo egípcio. Críticos de Al-Sisi e ativistas humanitários vêm sendo sistematicamente punidos e muitas vezes tratados como parte de grupos terroristas, o que ficou evidente na repressão às manifestações pró-Palestina e em outros protestos, a medida em que se aproximavam as eleições presidenciais em dezembro de 2023, que garantiu mais seis anos de mandato para Al-Sisi. A defasagem do espaço cívico, o assédio judicial e as ameaças à segurança sob organizações independentes reafirmam o ambiente autoritário instituído no Egito. Além disso, o Departamento de Estado dos Estados Unidos denunciou o aliciamento de crianças-soldados em conflitos militares em milícias aliadas no Sinai do Norte (Human Rights Watch, 2024).

No que diz respeito às relações com outros países da região, a parceria entre Israel e Egito, nos últimos anos, foi travada em favor do comércio de gás natural e dos esforços para cessar grupos extremistas na Península do Sinai. No continente africano, o Egito mantém disputas geopolíticas com a Etiópia e tensões com a Líbia, que ameaçam a segurança nacional (BBC, 2024). Por ser um dos países mais influentes do Oriente Médio, o Egito desperta o interesse internacional, pois pode garantir estratégias geopolíticas de potências estrangeiras, como os Estados Unidos, graças à localização privilegiada do Canal de Suez que transporta a maior parte do petróleo do Golfo que supre boa parte das demandas ocidentais. Em relação aos EUA é notória a preocupação de Al-Sisi em manter o alinhamento, como pode ser observado no Diálogo Estratégico Egito-EUA em 2015 e, com a visita a Washington, DC pelo presidente do Egito em 2017 (Egypt Embassy, SD).

Cenário econômico do Egito: investimentos, reformas e perspectivas

Na última década, sob o governo de Al-Sisi, o Egito vem trabalhando para impulsionar a captação de investimento estrangeiro, através de reformas e modernizações estruturais, a fim de alavancar o crescimento econômico do país. Estratégia que se mostrou eficaz, uma vez que o investimento direto externo duplicou no início de seu mandato, em relação ao ano anterior (Egypt Embassy, SD). No entanto, a economia ainda enfrenta obstáculos relativos ao crescimento populacional e à limitação dos recursos naturais e econômicos. A economia egípcia tem como sua principal fonte de riqueza a produção agrícola. Contudo, a quantidade de áreas produtivas não é suficiente para suprir a demanda de abastecimento da população, o que culminou no desemprego crônico e emigração em massa (Britannica, 2024). Atualmente, apesar do Egito se encontrar em uma crise econômica, com a alta inflação pelo declínio da moeda e pela saída de capitais, o país continua sendo um importante player econômico, com destaque às indústrias têxtil, alimentícia e o setor turístico (Economy Middle East, 2024).

De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) de 2023, o Egito é a 5° maior economia da região do Oriente Médio e Norte da África (MENA), com um PIB de US$398,4 bilhões, ficando atrás apenas da Turquia, Arábia Saudita, Israel e Emirados Árabes Unidos. Apesar dos desafios financeiros e da instabilidade interna, prevê-se que o país experimente melhorias nas condições de vida a médio prazo, impulsionadas por reformas estruturais que visam à estabilidade (Economy Middle East, 2024). Em fevereiro de 2024, um investimento bilionário dos Emirados Árabes Unidos fortaleceu a economia egípcia, atraindo mais financiadores internacionais, mesmo durante o período de tensão na Faixa de Gaza. Por anos, o Egito optou por manter a libra egípcia para buscar estabilização monetária, embora tenha reduzido suas reservas de capital internacional, afetando as importações de petróleo. Em março, mudanças no regime cambial e o aumento das taxas de juros foram realizados para garantir o financiamento do FMI, resultando em uma queda significativa no valor da moeda. Os investimentos do governo em projetos de infraestrutura aumentaram a dívida do país, enquanto a guerra na Ucrânia e a dependência egípcia de trigo importado agravaram a situação, especialmente afetando remessas, turismo e receitas do Canal de Suez (Council Foreign Relations, 2024).

Outro elemento importante para a economia do Egito foi a entrada deste em 2024 no BRICS+ – uma organização intergovernamental que visa a cooperação multilateral a fim de avançar no desenvolvimento socioeconômico e no crescimento de suas economias (Valor Econômico, 2023). O país se integrou ao grupo juntamente com a Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Irã, em uma busca por maior independência financeira e monetária dos países do centro do sistema internacional. Dos desafios do Egito dentro da atual conjuntura, a histórica relação do país com os EUA e a adoção de um modelo neoliberal, colocou o Egito em uma situação de dependência do capital estadunidense e seu apoio político. Essa dependência pode se tornar um obstáculo para que o Egito consiga se adequar às pautas do BRICS+ e atender as agendas esperadas. (Brasil de Fato, 2023).

Considerações finais

Ao longo de sua história, o Egito passou por diversas transformações sociais e políticas. Nos últimos anos, após a Primavera Árabe, o país viu uma oportunidade de buscar a estabilidade econômica e política, por meio de reformas estruturais e investimento estrangeiro. Contudo, o governo de Al-Sisi não se ausentou de controvérsias, gerando duras críticas ao caráter autoritário e opressor de seu regime. A despeito disso, o Egito se mantém como um dos países mais influentes politicamente do Oriente Médio e uma das maiores economias da região, de modo que os acontecimentos referentes ao país podem ter impacto no âmbito regional e, até mesmo, internacional.

De olho no futuro, o Egito traça um caminho ambíguo no cenário internacional, de um lado, sua persistente relação com os EUA e o conjunto de políticas neoliberais do governo de Al-Sisi, contribuíram para a dependência do país de capital estrangeiro, desencadeando uma relação de submissão com os EUA. Em contrapartida, sua recente integração ao grupo BRICS+ está alinhada com a defesa do multilateralismo e desenvolvimento econômico de potências regionais, em contraposição à hegemonia estadunidense.

Referências

BRASIL DE FATO. BRICS pode ser caminho para novos membros Egito e Etiópia saírem de crises. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2023/09/09/brics-pode-ser-caminho-para-novos-membros-egito-e-etiopia-sairem-de-crises&gt;. Acesso em: 5 maio 2024.

BRITANNICA. BRICS. Disponível em: <https://www.britannica.com/topic/BRICS&gt;. Acesso em: 7 maio 2024.

BRITANNICA. Egypt. Disponível em: <https://www.britannica.com/place/Egypt&gt;. Acesso em: 7 maio 2024.

BRITANNICA, “Estado Islâmico no Iraque e no Levante”. Disponível em: https://www.britannica.com/topic/Islamic-State-in-Iraq-and-the-Levant. Acesso em: 16 maio 2024.

COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS. Can Egypt’s Economic Overhaul Stave Crisis? Disponível em: <https://www.cfr.org/in-brief/can-egypts-economic-overhaul-stave-crisis&gt;. Acesso em: 5 maio 2024.

ECONOMY MIDDLE EAST. Biggest Economies MENA. Disponível em: <https://economymiddleeast.com/news/biggest-economies-mena/&gt;. Acesso em: 5 maio 2024.

EGYPT EMBASSY. Egypt’s Government. Disponível em: <https://egyptembassy.net/egypt-today/egypts-government/&gt;. Acesso em: 6 maio 2024.

FARIAS, Anna Carolina Monéia. OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E A CRISE NO EGITO: REFLEXÕES INICIAIS. Revista de Iniciação Científica da FFC, v. 16, n. 1, p. 15-24. Acesso em: 18 maio 2024

HUMAN RIGHTS WATCH. World Report 2024: Egypt. Disponível em: <https://www.hrw.org/world-report/2024/country-chapters/egypt&gt;. Acesso em: 6 maio 2024.

REVISTA DE INTEGRAÇÃO E CONEXÃO. Egito: Panorama Histórico e Político. Disponível em: <https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/ric/article/view/9449&gt;. Acesso em: 6 maio 2024.

UM NOVO EGITO. Disponível em: <https://umnovoegito.wordpress.com/&gt;. Acesso em: 5 maio 2024.

VALOR ECONÔMICO. O que significa BRICS: quais países fazem parte e quais são os objetivos. Disponível em: <https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/08/21/o-que-significa-brics-quais-paises-fazem-parte-e-quais-sao-os-objetivos.ghtml&gt;. Acesso em: 6 maio 2024.

Notas

[i] Noção nacionalista de unidade cultural e política entrePaíses árabes . Suas origens residem no final do século XIX e início do século XX, quando o aumento da alfabetização levou a um renascimento cultural e literário (conhecido como Nahda ou al-nahḍah al-arabiyah) entre os árabes do Oriente Médio . Isto contribuiu para a agitação política e levou à independência da maioria dos estados árabes do Império Otomano (1918) e das potências europeias (em meados do século XX).

[ii] A Irmandade Muçulmana é a maior e mais antiga organização islâmica do Egito, com ramificações em todo o mundo árabe. A Irmandade renunciou à violência na década de 1970 e conquistou o apoio popular ao fornecer serviços sociais como farmácias, hospitais e escolas.

[iii] Estado Islâmico no Iraque e no Levante (ISIL), grupo insurgente sunita transnacional que opera principalmente no oeste do Iraque e no leste da Síria.

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