Eleições de 2024 no Senegal: um novo governo em meio à insatisfação popular e a ascensão da nova oposição política

Maria Silveira Bueno Ferreira de Sousa
Renan José de Almeida

Resumo

Após o adiamento das eleições presidenciais senegalesas em fevereiro de 2024, Bassirou Diomaye Faye (44) foi declarado presidente eleito nas eleições que ocorreram em 24 de março. À vista disso, o presente artigo propõe-se a expor os eventos que precederam as votações e os seus impactos na democracia do Senegal. Além disso, busca-se analisar as dificuldades que o presidente eleito enfrentará, sobretudo, em sua pretensão de realizar uma nova política em meio a insatisfação pública com o governo anterior de Macky Sall e em seu compromisso de posicionar o país como um aliado confiável para seus parceiros internacionais.

Diomaye é Sonko, Sonko é Diomaye”: a vitória de Bassirou Diomaye Faye nas eleições presidenciais senegalesas de 2024

Após os esforços do ex-presidente Macky Sall para adiar as eleições senegalesas terem levado a uma repreensão do Tribunal Constitucional e a protestos violentos no país, o governo anunciou, em 6 de março, que as eleições presidenciais estavam marcadas para o final do mês. Desse modo, as eleições ocorreram no domingo 24 de março, em que Bassirou Diomaye Faye (44) foi declarado vencedor com 54,28% do total de votos, enquanto seu principal adversário e ex-primeiro-ministro Amadou Ba, teve 25,79%, segundo o resultado oficial divulgado pela Comissão Nacional de Contagem de Votos na quarta-feira, 27 de março. O líder da oposição de Faye era o antigo primeiro-ministro Amadou Ba, nomeado por Sall como a escolha presidencial do partido no poder. Ele é visto como uma figura ortodoxa que ocupou diversos cargos de poder, por isso, uma vitória de Ba teria significado continuidade política com o governo anterior. Além disso, ele pertence à antiga coligação governante Benno Bokk Yakaar (Unidos na Esperança), cuja popularidade foi corroída por anos de retrocessos nos direitos humanos. 

A confirmação abriu caminho para sua posse como quinto presidente do país, realizada em  2 de abril. Até pouco antes das eleições, Faye ainda não era uma figura muito conhecida por fora de seu partido, principalmente porque, até dez dias antes das eleições, Faye ainda era prisioneiro na prisão de Cap Manuel, na periferia sul de Dakar. Em julho de 2023, o líder do Partido Patriotas pelo Trabalho, Ética e Fraternidade (PASTEF), Ousmane Sonko, foi acusado de insurreição e impedido de concorrer às eleições para suceder o presidente Sall e o partido, por sua vez, foi dissolvido. Como forma de desempenhar papéis de candidatos suplentes, Faye – que também havia sido detido – Cheikh Tidiane Dièye e Habib Sy, foram enviados por Sanko para apresentarem as suas candidaturas a fim de garantir que as ideias do partido seriam representadas. 

Embora Faye tenha sido preso acusado de desrespeito ao tribunal, difamação e atos suscetíveis de comprometer a paz pública, depois de publicar uma mensagem crítica ao sistema judicial, não foi condenado por qualquer crime e conseguiu candidatar-se às eleições. Faye se tornou a escolha popular por ser o substituto mais próximo de Sonko. Com intuito de tornar Faye popular entre a nação, popularizou-se um slogan que visava aproximar as duas figuras e a semelhança das origens dos dois homens: “Diomaye moy Sonko, Sonko moy Diomaye” (“Diomaye é Sonko, Sonko é Diomaye”, em wolof), cantado entre os membros do partido. Sublinha-se que embora Sonko manifeste-se como eloquente e ativo, Faye, por sua vez, fez da discrição e da calma sua marca registrada, de modo que a imagem dessas duas figuras seja moldada para exercer uma complementaridade entre si.

A crise democrática do Senegal: desafios políticos na pré-eleição do país

O Senegal é considerado um dos países mais estáveis da África Ocidental, com um sistema democrático consolidado em uma região com um alto número de golpes de Estado e severas crises políticas. Diferente do histórico eleitoral dos seus países vizinhos [i], suas transferências presidenciais sempre ocorreram de forma pacífica, sem fraudes eleitorais, e nenhuma ação golpista foi consolidada no decorrer de sua história. No entanto, após dois mandatos, Sall, atual ex-presidente do país, adiou as eleições presidenciais que aconteceriam no dia 25 de fevereiro. O anúncio foi feito por meio dos canais midiáticos estatais, onde Sall alegou que o Tribunal Constitucional cometeu erros na aprovação dos candidatos que disputariam a eleição e, como consequência, as votações não poderiam ocorrer na data proposta. Nesse sentido, essa ação colocou em risco a estabilidade política do Senegal e ameaçou a sua integridade eleitoral.

Dentre as figuras desqualificadas, está um opositor popular extremamente importante, Ousmane Sonko, que foi desclassificado por ter antecedentes criminais. Apesar de defender que o adiamento foi ocasionado devido à corrupção do tribunal com os candidatos das eleições, essa atitude foi entendida pela população senegalesa e pela oposição como uma manobra política. Por um lado, a oposição admitiu que o presidente e o seu partido não estavam seguros da popularidade do primeiro-ministro Andou Ba, candidato da coligação Benno Bokk Yakaar de Sall, e consideraram o adiamento como uma saída para esse empecilho. Já por outro, mesmo reiterando que não renovaria o seu mandato, a população do país não acatou de forma pacífica e agradável essa atitude, que considerou o adiamento como um método para perpetuar um “golpe de Estado constitucional“, que parte das próprias forças do governo, possibilitando que o presidente se mantivesse no cargo por mais um período de tempo.

Para consolidar o adiamento das votações, Sall convocou o eleitorado para uma votação no dia 5 de fevereiro, dois dias após o seu primeiro anúncio. Os legisladores votaram e, com 105 votos a favor e um contrário, decidiram adiar as eleições presidenciais até dezembro deste ano, dessa maneira, o projeto foi aprovado quase por unanimidade. No entanto, a votação teve êxito até certo ponto, pois um considerável número de deputados da oposição foi removido à força da Câmara, resultando no enfraquecimento das posições dos partidos contrários. Por parte da população, a combinação dessas atitudes intensificou ainda mais o receio em relação ao enfraquecimento do aparato democrático do país. Como forma de protesto, a violência eclodiu em Senegal e as forças de segurança enfrentaram centenas de manifestantes contrários ao adiamento. Em meio às reações, quatro pessoas morreram em Dakar, Saint-Louis e Ziguinchor, cidades senegalesas onde ocorreram fortes manifestações, o que intensificou um surto de violência em meio à crise eleitoral. 

Em reação à resolução proposta pela votação e a tensão generalizada decorrente dos últimos acontecimentos, o Conselho Constitucional do Senegal considerou as medidas em questão inconstitucionais e cancelou, no dia 15 de fevereiro, o decreto que propunha o adiamento das eleições para dezembro. Essa decisão, por parte da autoridade eleitoral máxima do país, pode ser considerada como uma manifestação e um apoio à democracia senegalesa. Nesse sentido, em meio a pressão popular e uma profunda reviravolta de decisões, uma nova data foi proposta e o governo anunciou que as eleições ocorreriam no dia 24 de março, a decisão foi consolidada após uma reunião do Conselho de Ministros. O anúncio foi bem recebido pela população do país, que estava desgastada pela prolongada incerteza que os últimos acontecimentos perpetuaram. 

Além disso, é importante destacar que o governo e as políticas de Sall ficaram conhecidos pela forte repressão da liberdade civil, que se deu, principalmente, devido a ascensão do líder da oposição, Ousmane Sonko, e os consequentes movimentos em seu apoio. Desde 2012, no mínimo 60 pessoas foram mortas em movimentos e centenas de manifestantes e ativistas foram presos e torturados pelas forças do Estado. Desse modo, a combinação dessa posição autoritária com os últimos desdobramentos enfraqueceu a imagem de Senegal como um país democrático e estável. Para reforçar essa afirmação, vale ressaltar que os níveis de satisfação com a democracia diminuíram significativamente durante o último mandato governamental.

No ano de 2013, dados do Afrobarômetro expostos pela BBC demonstraram que mais de dois terços dos senegaleses estavam satisfeitos com o aparato democrático do país. Em contrapartida, menos da metade da população sustentou a mesma opinião em 2022. Além disso, uma outra pesquisa mostrou que 79% dos cidadãos afirmaram que os seus presidentes deveriam ser limitados a um máximo de dois mandatos. Tendo em vista a posição repressora dos últimos mandatos, a tentativa de Sall em ampliar o seu governo e os acontecimentos decorrentes dessa ação, a análise desses dados revela uma crescente desilusão popular em relação à democracia do país, destacando essa questão como um dos principais desafios para o novo presidente.

Os reflexos dos últimos mandatos de Sall e a promessa de redirecionamento político de Faye

Após a eleição de um novo líder, o foco político retornou para os desafios que continuam a assolar o Senegal. Depois de dois mandatos como presidente, o governo de Sall deixou o país com uma série de obstáculos que estão relacionados ao fato de que as políticas econômicas e sociais executadas pela sua administração não conseguiram reduzir de forma significativa a desigualdade econômica, conter a corrupção e diminuir a repressão da liberdade da população. Dessa forma, o presidente eleito se propôs a afastar-se de políticas do governo anterior, como as de dar prioridade aos interesses e empresas estrangeiras em detrimento das entidades locais. Principalmente, ao levar em consideração que os opositores de Sall o culpam pelas elevadas taxas de desemprego juvenil e pela crise migratória [ii] relacionada, que atingiu níveis recordes nos últimos anos.

No cenário internacional, o presidente eleito declarou que, após sua vitória, o Senegal teria como um dos seus principais objetivos firmar o compromisso de ser um aliado confiável para seus parceiros internacionais e regionais, porém, sem perder o seu foco de priorizar o desenvolvimento econômico e social do país. À vista disso, a França, um de seus maiores parceiros políticos e econômicos, afirmou o seu desejo de intensificar a sua parceria com a nação senegalesa. Assim, tendo em vista a queda da sua influência em suas antigas colônias africanas nos últimos anos [iii], a nova eleição e a ascensão de novo governo do país podem ser consideradas como novas oportunidades para retomar e ampliar a influência francesa na região. 

Apesar da tentativa de aproximação, Faye detinha como uma das bases de sua campanha eleitoral, uma promessa para o novo governo de afastar as interferências francesas na região e, dessa forma, diminuir as influências coloniais enraizadas no aparato político e econômico do país. Para corroborar essa afirmação, o novo governo tem como foco deixar de usar Franco CFA da África Ocidental, que é compreendido como um legado colonial francês, ação que marca um afastamento da França no país. No que diz respeito aos países da região, o novo governo tem como meta estreitar os laços dos países vizinhos com a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e assumir um papel de liderança na coordenação dessa cooperação. Países como Burkina Faso, Mali e Níger, que foram tomados por golpes militares, se afastaram da organização devido a conflitos de interesses em decorrência, principalmente, das sanções econômicasaplicadas pela comunidade, e do caráter antidemocrático de seus governos. 

Notas de fim

[i] A África Ocidental tem sido historicamente marcada por instabilidades políticas e golpes de Estado. Desde 1960, década que marcou a independência de vários países, diversos governos foram derrubados. Alguns exemplos incluem o golpe no Mali, em 2012, em Guiné em 2021, e mais recentemente, Burkina Faso, que sofreu uma nova tentativa de golpe em 2024. 

[ii] O Senegal é um país de emigração e de imigração, todavia, se destaca internacionalmente devido às emigrações clandestinas em barcos precários, buscando alcançar a Europa. O número de pessoas que tentaram deixar o Senegal em barcos de madeira em ruínas aumentou em 2023 e quase 1.000 morreram nos primeiros seis meses de 2023, de acordo com o órgão de vigilância da migração espanhol Walking Borders.

[iii] No decorrer dos últimos anos, houve um aumento da pressão e de movimentos por parte das antigas colônias francesas por uma maior independência e autonomia política e econômica. 

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