Os obstáculos impostos à ajuda humanitária em Gaza gera sérios desdobramentos para a sobrevivência do povo palestino

Eduarda Leonel de Jesus

Resumo

O presente artigo tem o objetivo de discutir os impactos causados pelas dificuldades impostas à entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza. Nele são apresentadas algumas das dificuldades que mobilizações nesse sentido estão encontrando e as sérias consequências geradas, que dificultam ainda mais a sobrevivência do povo palestino durante o conflito.

Introdução

Desde o início da guerra entre Israel e Palestina, no dia 7 outubro de 2023, os moradores da Faixa de Gaza vêm lidando com inúmeras ameaças à sua sobrevivência. O embate teve seu início quando o grupo Hamas realizou um ataque terrorista no sul de Israel, que acabou acarretando na morte de mais de 1.400 pessoas. Em resposta a esse ato se desencadeou o contra-ataque israelense que também já matou milhares de palestinos. As consequências do conflito, além das várias mortes, também são encontradas de forma escancarada quando se trata da fome, que está se alastrando rapidamente, e dos hospitais localizados na região, que estão sendo fortemente bombardeados.

O difícil processo de entrada de ajuda humanitária em Gaza

O processo de chegada dos bens humanitários em Gaza é muito árduo. Israel realiza a verificação de forma bem rígida dos produtos nas fronteiras antes que eles sejam enviados para a cidade de Rafah, além disso esses pontos de inspeção são em número insuficiente para o volume de bens enviados. Outro ponto que dificulta o fluxo dos caminhões de ajuda é que a passagem da cidade em questão foi projetada para pessoas, o que gera um desafio para a passagem de grandes comboios. 

Pode-se citar como exemplo o acontecido do dia 6 de março de 2024, quando o deputado italiano Angelo Bonelli fez uma publicação em suas redes sociais denunciando o bloqueio de 400 pacotes de ajuda humanitária, sendo 30 deles enviados pelo Brasil, a 20 quilômetros da passagem de Rafah. A carga é composta por purificadores portáteis que possuem a capacidade de tratar até 5.760 litros de água por dia. Esses purificadores não precisam de energia elétrica convencional, pois possuem uma placa de captação de energia solar acoplada. Essa foi a razão pela qual o exército de Israel barrou os pacotes, argumentando que essas placas poderiam ser desviadas e usadas como fonte de geração de energia pelo grupo Hamas. (CNN Brasil, 2024)

Na tentativa de transpor essas duras inspeções, desde o dia 2 de março de 2024, os Estados Unidos da América (EUA) fazem lançamentos aéreos, após civis morrerem em fila para comida na região de Gaza. Além dos EUA, outros países como Jordânia, Egito e França também vêm realizando lançamentos de pacotes com ajuda humanitária por meio de aviões. Porém, no último dia 8, esses carregamentos atingiram moradores e mataram cinco deles e outros dez ficaram feridos. Especialistas afirmam que as entregas aéreas não são a melhor forma de entrada de ajuda, pois possuem menor capacidade de entrega, se comparadas com as vias terrestres e podem cair em locais de difícil acesso. (G1, 2024)

Ajuda retida do outro lado da fronteira

A UNRWA é uma das grandes provedoras para assistência humanitária em Gaza. Ela trabalha juntamente com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) – responsável por vacinar 53.000 crianças nos sete abrigos que restam da UNRWA, desde janeiro – a OMS, o Programa Alimentar Mundial (PMA), a agência de migração da ONU (OIM), entre outras organizações não governamentais. (UN News, 2024)

Natalie Boucly, a Vice-Comissária Geral da UNRWA, enfatiza algo muito importante quando diz que “A ajuda está aí, do outro lado da fronteira. Tudo o que precisamos é de vontade política para abrir mais passagens para obter a ajuda e distribuí-la por Gaza. Precisamos de um cessar-fogo”.

Para efeito de comparação, antes do início da guerra, 500 caminhões por dia entravam com mercadorias em Gaza, já, durante o período do conflito, cerca de 99 caminhões entregam as mercadorias, (UN News, 2024) o que representa uma queda drástica, despertando grande preocupação, já que até antes da guerra os moradores da Faixa de Gaza dependiam de ajuda humanitária.

O perigo da fome

O bombardeio de Israel na Faixa Gaza fez com que o fornecimento de água, alimentos e combustível fossem interrompidos. Os setores relacionados à alimentação entraram em colapso, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). Para tentar conter as necessidades alimentares, cerca de 60% a 70% do gado foram abatidos prematuramente. A agência da ONU em questão se movimentou para ajudar a proporcionar produtos agrícolas essenciais, quando as condições forem favoráveis.

Ainda, devido à dificuldade da entrada de ajuda humanitária em Gaza, civis se veem diante da insegurança alimentar. De acordo com a FAO, por volta de 2,3 milhões de pessoas, estão passando por altos níveis de insegurança alimentar “aguda”, incluindo 1,11 milhões de pessoas que estão sofrendo de insegurança alimentar “catastrófica” – classificada como Fase 5 da Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar (IPC)[1]. (IPC, 2024)

Segundo o IPC quase todas as famílias palestinas da região pulam refeições todos os dias. Para que as crianças possam comer os adultos tiveram que reduzir o seu consumo. Mesmo assim, no norte de Gaza uma em cada três crianças com menos de dois anos estão com desnutrição grave, disse a FAO.

Assim, o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres falou sobre esse ser o maior número de pessoas passando fome já registrado pelo IPC, fazendo um apelo para que as autoridades de Israel assegurem que toda Gaza possua acesso irrestrito e completo aos produtos humanitários. (UN News, 2024)

Hospitais e cuidados médicos

A Faixa de Gaza possui, no momento, 12 dos 36 hospitais funcionando parcialmente, conforme informado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os bombardeios israelenses são feitos com base no argumento de que o grupo Hamas opera nesses locais, o que é negado pelas autoridades palestinas e pelos médicos.

O segundo maior hospital da região, chamado Nasser, localizado na cidade de Khan Younis, chegou a ficar completamente fora de serviço devido aos ataques, aos combates e à escassez de combustível. Ele ainda abrigava dezenas de pacientes acometidos pelos ferimentos de guerra e pelo agravamento da crise de saúde, mas não havia energia e nem profissionais suficientes. Já o hospital Al Amal foi alvo de 40 ataques que resultaram em 25 mortes e deixaram a unidade de saúde incapacitada. Essa incapacidade se deu por cortes de comunicações, detenção de profissionais de saúde e grande escassez juntamente com restrições do fornecimento de bens essenciais e vitais.

Essa diminuição de hospitais condicionados a operar está gerando a superlotação dos que estão em funcionamento. De acordo com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), na cidade de Rafah, 77 recém-nascidos estavam compartilhando 20 incubadoras. A porta-voz da OMS Dra. Margaret Harris chamou a atenção para as muitas crianças que estão drasticamente abaixo do peso e estão falecendo. (UN News, 2024)

Enquanto isso, a Sociedade do Crescente Vermelho Palestino teve sete membros de sua equipe, dentre eles alguns médicos, barrados pelas forças israelenses por quase três semanas. Diante dessas situações o Dr. Al-Quadra, médico do hospital Al Amal, afirmou, “não há qualquer respeito por qualquer regra ou lei humanitária relacionada com o pessoal médico”.

A ONU enviou uma missão conjunta com a OMS ao lado de outras agências, como a UNFPA e a Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina (UNRWA) com o objetivo de evacuar 24 pacientes do Al Amal e entregar alimentos, água, combustível, suprimentos cirúrgicos de emergências e antibióticos. Contudo, as ambulâncias da missão foram detidas por pelo menos sete horas e paramédicos foram obrigados a se retirarem delas e a se despir, tudo isso sem qualquer razão dada pelos militares de Israel. (UN News, 2024)

Considerações finais

Os dados gerados pelo conflito falado já são alarmantes, e com as dificuldades impostas ao acesso da assistência humanitária eles ficam muito mais graves. Atualmente, aproximadamente 2 milhões de habitantes da Faixa de Gaza dependem da ajuda da ONU, o que é praticamente sua população total. Ademais, com as questões políticas e disputas territoriais que impõem esses bloqueios, as missões humanitárias se mantêm desafiadoras, custosas e arriscadas. A impossibilidade do ingresso desses bens faz com que milhões de civis inocentes tenham sua sobrevivência e dignidade ameaçadas em proporções enormes de uma maneira que pode ser considerada cruel.

Referências

Alcântra, Thalys. Israel bloqueia ajuda humanitária brasileira para Gaza, diz deputado. Metrópoles, 06 de mar. 2024. Disponível em: https://www.metropoles.com/mundo/israel-bloqueia-ajuda-humanitaria-brasileira-para-gaza-diz-deputado. Acesso em: 24 de mar. 2024.

Cinco pessoas morrem e 10 ficam feridas após serem atingidas por pacotes de ajuda humanitária lançados de avião em Gaza, diz hospital. G1, 08 de mar. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/03/08/5-pessoas-morrem-e-10-ficam-feridas-apos-serem-atingidas-por-pacotes-de-ajuda-humanitaria-lancados-de-aviao-em-gaza-diz-hospital.ghtml. Acesso em: 24 de mar. 2024.

Davison, John. Combates e escassez deixam 2º maior hospital de Gaza fora de serviço. CNN, 18 de fev. 2024. Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/combates-e-escassez-deixam-2o-maior-hospital-de-gaza-fora-de-servico/. Acesso em: 24 de mar. 2024.

Ebrahim, Nadeen. Ajuda humanitária enfrenta obstáculos para entrar em Gaza; entenda motivos. CNN, 11 de fev. 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/ajuda-humanitaria-enfrenta-obstaculos-para-entrar-em-gaza-entenda-motivos/. Acesso em: 24 de mar. 2024.

GAZA STRIP: Famine is iminente as 1.1 million people, half of Gaza, experience catastrophic food insecurity. IPC, 2024. Disponível em: https://www.ipcinfo.org/ipcinfo-website/alerts-archive/issue-97/en/. Acesso em: 24 de mar. 2024.

Gonçalves, Israel Aparecido. Lima, Maria Aldenora dos Santos. O horror como espetáculo: uma análise do conflito entre o Hamas e Israel em 2023. Gênero e Interdisciplinaridade, vol. 04, nº 06, 2023.

Imminent famine in northern Gaza is “entirely man-made disaster”: Guterres. UN News, 18 de mar. 2024. Disponível em: https://news.un.org/en/story/2024/03/1147656?_gl=1*hyy0pj*_ga*MTkxNzgwODM2MC4xNjkxNzc1MjM2*_ga_TK9BQL5X7Z*MTcxMTM0NDcwNi44LjEuMTcxMTM0NTkyNy4wLjAuMA. Acesso em: 24 de mar. 2024.

Israel bloqueia ajuda humanitária enviada pelo Brasil para Gaza, dizem fontes. CNN, 06 de mar. 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/israel-bloqueia-ajuda-humanitaria-enviada-pelo-brasil-para-gaza-dizem-fontes/. Acesso em: 24 de mar. 2024.

No medicine, no hope: Doctors describe life under Israeli attack in Gaza. UN News, 28 de fev. 2024. Disponível em: https://news.un.org/en/story/2024/02/1147037?_gl=1*1symbhz*_ga*MTkxNzgwODM2MC4xNjkxNzc1MjM2*_ga_TK9BQL5X7Z*MTcxMTMzOTg2Ny43LjEuMTcxMTM0MTM2NS4wLjAuMA. Acesso em: 24 de mar. 2024.

Suffering in silence: Gaza’s malnourished babies are dying “in their tens, in the 20s”. UN News, 19 de mar. 2024. Disponível em: https://news.un.org/en/audio/2024/03/1147736. Acesso em: 24 de mar. 2024.

What is famine?. UN News, 18 de mar. 2024. Disponível em: https://news.un.org/en/story/2024/03/1147661. Acesso em: 24 de mar. 2024.

Notas

[i] Para mais informações sobre como funciona a medição de fome do IPC acesse: What is famine? UN News, 18 de mar. 2024. Disponível em: https://news.un.org/en/story/2024/03/1147661

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