Protestos de agricultores na Europa: a manutenção da posição conservadora econômica da União Europeia

Ana Clara do Nascimento

Pedro Lucas e Silva

Rafaela de Souza Gambogi

Resumo

Desde o início de 2024 estão ocorrendo manifestações em diversos Estados-membros da União Europeia, nas quais os produtores agrícolas estão expondo sua revolta com medidas tomadas pelo bloco e que eles julgam estar prejudicando seu trabalho e sua renda. O presente artigo busca analisar os possíveis efeitos desses protestos na política econômica da União Europeia a respeito da produção agrícola, e na articulação de acordos econômicos do bloco com outros atores, como o Acordo Mercosul-União Europeia.

Contexto: os protestos dos agricultores europeus no início de 2024

Desde janeiro de 2024, agricultores europeus têm se manifestado em diferentes países do continente reclamando direitos, relativos ao protecionismo do que eles produzem e comercializam, e que eles acreditam que lhes devem ser garantidos pelo governo de seus países e pela União Europeia (UE) enquanto bloco político e econômico. Eles argumentam que o padrão de qualidade exigido para os produtos produzidos nos Estados-membros do bloco e que as leis ambientais válidas para eles geram uma situação em que seus produtos competem de forma desvantajosa com os importados (Trujillo; Blenkinsop, 2024). A respeito das regras ambientais que os produtores precisam seguir, é importante mencionar o chamado Acordo Verde (Barrucho; Gallagher, 2024), também conhecido como Pacto Ecológico Europeu, cujo objetivo é “[…] colocar a UE na via rumo a uma transição ecológica, com o objetivo último de alcançar a neutralidade climática até 2050” (Conselho Europeu; Conselho da União Europeia, 2024).

Além das demandas citadas anteriormente e, mesmo que as exigências ambientais sejam um dos elementos mais preocupantes para os agricultores, muitos produtores agrícolas da UE também se sentiram prejudicados diante da retirada de impostos para a importação de cereais ucranianos a fim de auxiliar o país economicamente considerando sua guerra contra a Rússia. Os manifestantes também se descontentam com a diferença de exigências do bloco a respeito do que é produzido em seus países-membros e do que é produzido fora da UE, como nos países do Mercosul. Tal fato influenciou a percepção dos fazendeiros europeus a acordos de livre comércio da UE com outros atores, como o acordo com o Mercosul (Barrucho; Gallagher, 2024), cujas discussões estão paralisadas até as eleições para o Parlamento Europeu (Reuters, 2024).

Mesmo que no PIB da UE somente 1,4% corresponda à agricultura, a força política que esse setor representa é muito significativa (Barrucho; Gallagher, 2024), fortalecendo grupos de extrema-direita, o que é algo importante de observar tendo em vista a aproximação das próximas eleições para o Parlamento Europeu (Trujillo; Blenkinsop, 2024). Em termos políticos, inclusive, é relevante mencionar que a Presidência do Conselho da União Europeia já está avaliando as demandas e reclamações dos agricultores que têm participado das manifestações (Aljazeera, 2024).

O protecionismo e a extrema-direita na União Europeia

As manifestações do setor agropecuário na União Europeia, trazem preocupações referentes ao acordo entre o bloco e o Mercosul, esses manifestantes pressionam o governo devido as diversas burocracias às quais estão sujeitos e levantam uma suposta concorrência desleal com relação aos produtos agrícolas importados. O acordo de livre comércio entre esses blocos econômicos vem sendo discutido desde 1999, no qual presume uma redução tarifária sobre bens e serviços importados produzidos por esses dois blocos (Prazeres, 2023).

A posição protecionista da União Europeia frente ao seu mercado exterior impacta diretamente no estabelecimento de possíveis acordos com blocos de países subdesenvolvidos, tal qual, o Mercosul. Enxerga-se com clareza uma manutenção de imposições das quais prejudicam o avanço do Acordo Mercosul-União Europeia, como em 2023, a União Europeia enviou uma espécie de adendo ao texto original ao Mercosul colocando novas condições ambientais para a ratificação do tratado, há também, alguns países, como a França, em que seus parlamentares aprovaram moções pedindo que seus governos não ratifiquem o acordo (Martins, 2023). A negociação vem se perdurando no diálogo e em diversas conversas ao longo do tempo, de maneira mais recente no ano de 2019 durante o governo Bolsonaro, esse acordo foi assinado pela União Europeia, entretanto os altos índices de desmatamento na Amazônia fizeram com que o bloco econômico voltasse atrás (Feldmann, 2023).

Após 25 anos de elaboração e tentativa de estabelecimento do Acordo, encontram-se atualmente alguns fatores pelos quais ainda há relutância na finalização desta ação diplomática, são eles: o crescente movimento de extrema-direita no Parlamento Europeu e em Estados protagonistas e, não menos importante os debates acerca do meio ambiente.

No primeiro caso, verifica-se a presença progressiva da extrema-direita lidera as intenções de voto ou apresenta resultados expressivos em algumas das maiores economias do bloco (Chade, 2024). em outras palavras, o movimento de extrema direita retoma certos interesses nacionalistas desejados por certos grupos da sociedade civil, como por exemplo, os agricultores que estavam protestando no início de 2024, em países como a Bélgica, Espanha e França. Estes, que além de não concordarem com a total liberalização do comércio, principalmente quando se trata de “afrouxar as rédeas” com países subdesenvolvidos, também não se sentem confortáveis com a possível redução da tradição protecionista europeia.

Dessa forma, a representação da extrema-direita seja no governo de cada Estado, seja no Parlamento Europeu, mantém interesses dos agricultores e empresários deste setor, diminuindo o temor frente aos mercados sul-americanos. Vale ressaltar que o movimento de extrema direita na Europa, não só é pautado pelo forte nacionalismo (reforçando a ideia de soberania) e o protecionismo econômico, há também discursos questionando o custo e modo de vida atual, como na França, Itália e Alemanha (trazendo contestações relativas a valores morais e medidas mais liberais) e, em segundo lugar, o debate acerca da imigração (a imigração, acaba por vezes, despertando outros discursos de cunho xenofóbico) (Chade, 2024).

A paralisação do Acordo Mercosul-União Europeia

Tratando-se do debate sobre o meio ambiente e leis rígidas, uma das motivações em voltar atrás com esse acordo é devido ao Pacto Ecológico Europeu, tendo em vista os diversos problemas ambientais e a mudança climática, a União Europeia estabeleceu esse pacto com suas metas a fim de lidar com essa ameaça e superar esses problemas (Conselho Europeu; Conselho da União Europeia, 2024). Assim, firmar esse acordo com o Brasil no contexto de sucateamento das políticas ambientais durante o governo Bolsonaro seria um ato contrário a esse pacto e o posicionamento mais verde da UE. Contudo, as negociações para esse acordo tomaram um novo rumo com o retorno do presidente Lula para o seu terceiro mandato.

Essa nova rodada de negociações vem junto de uma maior pressão da União Europeia por um maior compromisso ambiental, uma forma de exigir esse compromisso do Mercosul é o selo verde, esse é um comprovante de que os produtos importados não geraram desmatamento, alguns dos produtos que embarcam essa exigência é o gado, café, soja, entre outros (Elias, 2023). Além dessa nova medida adicionada para o acordo, um outro ponto é o favorecimento de produtos europeus industrializados, um dos principais pontos que reforçam esse favorecimento é a redução a mais de 90% sobre o imposto de importação sobre bens industrializados, esse imposto no Brasil corresponde a 15,2%, na UE o imposto é de 1,8% (Konchinski, 2023).

Esse acordo vem se mostrando muito mais favorável para a União Europeia do que para o Brasil e os demais países membros do Mercosul, ele acaba reforçando uma divisão internacional do trabalho onde os países da periferia exportam os produtos primários de baixo valor agregado, enquanto importam produtos industrializados do centro como a Europa a preços mais altos. Assim, esse acordo gera uma desaceleração no processo de industrialização do Brasil, e dos demais países contribuindo e acelerando um processo de desmonte da indústria na América do Sul (Feldmann, 2023).

Considerações finais

De modo geral, os protestos de agricultores nas principais economias da União Europeia ressaltam a convergência entre os temas protecionismo econômico, leis ambientais e o impacto das medidas provenientes da extrema-direita na política externa europeia. Com isso, nota-se que a demanda exigida pelos agricultores, por mais que se pautem na necessidade de se rever impostos ao setor e manter taxas rígidas tarifárias de importação e exportação, acabam por entrar em conflito com a elaboração de políticas ambientais, isto é, ao mesmo tempo que as políticas ambientais tornam-se um mecanismo de protecionismo econômico para com países subdesenvolvidos, tornam-se um entrave para a produção agrícola nos países europeus.

Logo, a crescente presença da extrema-direita tanto nos próprios Estados europeus quanto no Parlamento Europeu, utilizando-se do discurso de nacionalismo, forte protecionismo econômico (da maneira que for mais viável) e xenofobia, resultam por vezes, em uma situação de “conforto” para esses agricultores, isto é, é desenvolvido um pensamento no qual a liberalização do comércio exterior com todos os países, inclusive países do bloco Mercosul, ocasionou uma situação de crise até mesmo para um pequeno setor da União Europeia, dessa forma, a solução mais praticável seria aderir a discursos extremistas que visam reduzir políticas que possam / podem prejudicar agricultores e empresários do setor agropecuário.

Portanto, a série de eventos listados geram atrasos na finalização de acordos diplomáticos, como citado anteriormente, o Acordo Mercosul-União Europeia. O atraso na ratificação do acordo por ambas as partes, e rodadas de negociações com as mesmas pautas sem uma visão de mudança, dificultam a resolução da situação presente.

Referências Bibliográficas

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CHADE, Jamil. Extrema direita salta na França e Alemanha e pode ser 3º maior força da UE. UOL. Genebra, 13 fev. 2024. Política. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/02/13/extrema-direita-salta-na-franca-e-alemanha-e-pode-ser-3-maior-forca-da-ue.htm#:~:text=Terceira%20maior%20for%C3%A7a%20da%20Europa,lugares%20a%20partir%20de%20junho.Acesso em: 20 mar. 2024.

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