A importação de tecnologia e investimentos externos nos Emirados Árabes Unidos: as parcerias com os Estados Unidos e a China nas IAs

Larissa Cristina Silva Ribeiro
Maria Eduarda Soares de Brito

Resumo

Os Emirados Árabes Unidos, país em ascensão no Oriente Médio, passaram a investir fortemente em tecnologia nos últimos anos, com a participação de importantes países internacionais nas pesquisas e avanços tecnológicos já consolidados. Entre esses países se encontram os Estados Unidos e a China, que passaram a ser os seus maiores investidores. O presente artigo busca discutir os principais avanços dos últimos anos, assim como as colaborações firmadas pela nação emiradense com os dois polos tecnológicos mundiais, China e Estados Unidos. 

Os investimentos no setor tecnológico dos Emirados Árabes 

Em maio de 2024 os Emirados Árabes Unidos (EAU), importante exportador de petróleo e Estado influente na geopolítica do Oriente Médio, investiram cerca de 40 milhões de dólares para ampliar e melhorar o ramo tecnológico no país, e negociaram com empresas nacionais para efetuar tal objetivo. Este dinheiro teve como foco a criação do projeto de desenvolvimento de Inteligência Artificial (IA). Intitulado Falcon 2, produzido pelo Instituto de Inovação Tecnológica de Abu Dhabi, que tem como objetivo competir com os programas que já existem no mundo. 

Em meio a esta gananciosa busca por se inserir no setor tecnológico mundial, a partir do projeto de IA e da concorrência com as empresas ocidentais, a empresa transnacional  norte-americana Microsoft Corporation anunciou em abril de 2024 um investimento financeiro de aproximadamente 1,5 bilhões de dólares para a empresa emiradense Group 42 (G42) que atua como conselheiro do governo dos EAU, com  a finalidade de fortalecer a colaboração entre ambas empresas e levar as recentes tecnologias de IA da Microsoft e iniciativas de qualificação e especialização científica-digital para os Emirados Árabes Unidos. 

Além dos investimentos internos para alavancar a tecnologia, Mohammed bin Zayed Al Nahyan, presidente dos Emirados Árabes, busca também negociar com demais países do globo, com a finalidade de maximizar as possibilidades de avançar em seu projeto tecnológico. Isto posto, um dos países no qual a nação árabe buscou negociar foi com a China, polo tecnológico emergente no mundo, realizando acordos com empresas e com institutos de investigação asiáticos com o intuito de aprimorar a infraestrutura digital nacional. Como resultado, as relações econômicas já existentes entre os estados foram alavancadas e diversificadas. 

Com o objetivo de adentrar o mercado tecnológico internacional e nele exercer maior influência, o Ministério de Investimentos dos Emirados Árabes Unidos, sob a liderança de Mohamed Hassan Alsuwaidi, assinou um memorando com a finalidade de apoiar financeiramente o desenvolvimento da infraestrutura digital do Uzbequistão, localizado na região central da Ásia. Este memorando tem como objetivo estabelecer uma estrutura para cooperação em infraestrutura digital, especialmente no que concerne a área de pesquisa de data center, que obteve grande avanço a partir de 2020, e inteligência artificial no estado asiático, e, em contrapartida, permitir que as empresas emiradenses negociem diretamente com as empresas da região, expandindo a possibilidade de comércio e especialização.    

A construção da parceria tecnológica com os EUA e China 

Até 1971, os Emirados Árabes Unidos ainda eram parte dos Estados da Trégua[i], ao sul do Golfo Pérsico, sob o controle do Reino Unido, ganhando independência em dezembro daquele ano. Até então, suas relações diplomáticas e comerciais com países fora da região eram quase mínimas. Com a declaração de independência em 2 de dezembro de 1971, os Estados Unidos foram um dos primeiros países a reconhecer os Emirados Árabes Unidos no sistema internacional, dando início a suas interações, tornando-o um dos principais parceiros comerciais e diplomáticos dos norte-americanos no Oriente Médio. 

Nos últimos 50 anos, os EAU se juntaram aos principais centros de comércio no globo, devido a sua localização estratégica entre a África e a Ásia, além dos investimentos externos advindos do Ocidente – em destaque, dos Estados Unidos. Essa evolução se deu pelo investimento em três focos, os três T’s: transporte, troca (comércio) e turismo. Com a atenção voltada para esses setores, o país conseguiu se estabelecer de forma confortável, se sobressaindo em relação aos países vizinhos com sua infraestrutura. Hoje, sua consolidação como um “centro de serviço regional” possibilitou a atenção em um quarto T: tecnologia. A colaboração com países do Ocidente tem se mostrado muito benéfica para os Emirados Árabes, sendo sua aliança com os Estados Unidos a principal fonte de recursos tecnológicos para o país, principalmente nos avanços relacionados ao desenvolvimento de inteligência artificial nos últimos anos. A estratégia dos EAU, ao diversificar sua economia e setores de investimento, com foco na tecnologia, serviu para atrair investimentos e parcerias ocidentais, o que facilitou o desenvolvimento de novas tecnologias e inovações em seu território. 

Em 2020, um acordo firmado entre Israel e Emirados Árabes, sob a mediação dos EUA, serviu para normalizar as relações entre os dois principais aliados dos norte-americanos na região. Com a assinatura dos Acordos de Abraão, novas oportunidades foram abertas para o país investir em pesquisas tecnológicas. A parceria entre os dois países abrange diversas áreas, com o compartilhamento dos conhecimentos israelenses em segurança cibernética, inteligência artificial e blockchain, e os conhecimentos árabe emiradenses em transformação digital e a construção de cidades inteligentes. Essa aliança foi benéfica para ambos, que passaram a beneficiar-se das capacidades do outro e complementar as próprias capacidades. 

Ao mesmo tempo que cultivava as relações com o Ocidente, os Emirados Árabes também trabalhavam na construção de relações com a maior potência em emergência no mundo: a China. O início das trocas comerciais chinesas com países do Golfo, que no futuro dariam origem aos EAU, datam de séculos atrás, mas se fortaleceram nos últimos 40 anos, após o estabelecimento formal de suas relações diplomáticas em 1984. Desde então, com a adesão dos EAU à iniciativa do Cinturão e Rota da China, sua parceria evoluiu de forma exponencial e estratégica, com o país asiático se tornando um dos principais parceiros comerciais do país, com um investimento que passou de 9 bilhões em 2022 somente para o comércio de produtos além do petróleo. 

Relatórios recentes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo apresentaram aumentos significativos na exportação de petróleo vindo dos EAU, mas também um crescimento exponencial de outros setores energéticos. Desta forma, o desenvolvimento do Noor Abu Dhabi, o maior parque de energia solar do mundo, em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, contou com a participação ativa da China, sendo esse um dos maiores investimentos vindos da potência. Os principais focos da troca tecnológica entre os dois países são a criação de energia sustentável e as cidades inteligentes nos Emirados Árabes, além do desenvolvimento de novas tecnologias como o 5G e a IA em parceria com empresas chinesas.

A aplicação das IA nos Emirados Árabes e os perigos para a população 

O Oriente Médio tem se mostrado na última década como região com potencial para o desenvolvimento e financiamento de Inteligência Artificial, como apresentado nas seções anteriores. Nações como os Emirados Árabes Unidos estão se movimentando e negociando políticas ambiciosas para atrair investimentos para suas empresas nacionais, com a finalidade de se apresentar como concorrente no mercado de IA. Nesse sentido, é perceptível como a nação tem se ajustado no cenário de disputas econômicas e de influência, para conseguir alcançar seu objetivo principal sobre avanço digital. Desse modo, maximizar os benefícios advindos da dualidade inerente ao atual cenário internacional se mostra como o principal objetivo dos EAU, que prioriza o desenvolvimento interno, ou seja, agir de modo a ampliar as relações com ambas as nações de polo tecnológico, China e Estados Unidos.

Dessa forma, visando o projeto de avanço científico-tecnológico a partir da percepção internacional, fora realizado um acordo com a empresa norte-americana Microsoft. O mesmo consiste no financiamento de 1,9 bilhões de dólares para a empresa emiradense G42, visando executar os aplicativos desta última com auxílio dos softwares produzidos pela primeira, com expectativas futuras de fornecer soluções avançadas de IA para clientes globais do setor público e grandes empresas. A ideia inicial de tal colaboração seria contribuir para o avanço doméstico dos EAU, porém há a pretensão de uma expansão da empresa para os demais países do Oriente Médio, além do ingresso futuro nos continentes africano e ásiatico. O presidente da G42, Xeque Tahnoon bin Zayed Al Nahyan, afirmou em entrevista posterior à finalização das negociações que a “parceria é um testemunho dos valores partilhados e das aspirações de progresso, promovendo uma maior cooperação e sinergia a nível global.” 

No outro polo, o país emiradense também procura realizar colaborações com as empresas chinesas, como o ocorrido no final de 2023, momento em que foi ratificado novamente o acordo de swap cambial, que havia sido assinado pela primeira vez em 2012, tendo por objetivo trocar moedas estrangeiras pelas moedas nacionais, em um movimento estratégico para reforçar os laços entre o Banco Central dos Emirados Árabes Unidos e o Banco Popular da China. O acordo vale cerca de 18 milhões de dirhams, moeda emiradense, e perdurará por um período de cinco anos, facilitando o fornecimento de liquidez em moeda local aos mercados financeiros e desenvolvendo a cooperação financeira. 

As principais relações comerciais com as empresas asiáticas são com a ByteDance e a Huawei. No primeiro caso, em 2023, houve uma compra por parte da G42 de ações empresariais, avaliada em 100 bilhões de dólares, com o intuito de aprimorar o âmbito tecnológico das redes sociais, visto que este é um dos principais produtos gerenciados pela ByteDance. No segundo caso, em 2024, durante reunião em Barcelona, capital espanhola, fora firmado contrato para avanço na área de comunicação em conjunto com a empresa Talco Du, projeto intitulado “5G-A Country” busca acelerar a transformação digital no país emiradense a partir da construção de uma rede de experiência 5G-A com cobertura total em nível de cidade em Dubai, com base na rede comercial operacional.   

Apesar das empenhadas e ambiciosas negociações fomentadas pelos Emirados Árabes Unidos, a realidade do mesmo não condiz com os avanços tecnológicos, visto que existe uma vigilância cibernética aplicada à população sobre o uso das redes sociais ou de determinados sites. No ano de 2024, a Autoridade Reguladora Governamental de Telecomunicações e Digital atualizou a lista dos sites ou buscas que são proibidos no país, no geral, são proibidos consumos ou publicações que façam apologia a homossexualidade, quaisquer fonte de informação que utilize conotação sexual, conteúdo que inclui informações confidenciais de empresas públicas nos EAU, instrumentos tecnológicos que possibilitem rastreamento do usuário, sites que promova o incitamento à apostasia e ao abandono do Islão ou o incitamento à conversão para uma religião diferente do Islão, dentre outras normas.

Nesse sentido, ao compreender que empresas, como a G42, atuam como conselheiro de segurança nacional dos Emirados Árabes Unidos, é viável considerar que as buscas para ampliar e melhorar a área tecnológica são, na verdade, um instrumento para manter a vigilância e restrição sob o povo emiradense e aos meios de comunicação utilizados. Tanto a tecnologia chinesa quanto a norte-americana tem potencial para serem usadas para o monitoramento e o controle da população emiradense. As ferramentas de reconhecimento facial, predição de algoritmos e de coleta de dados desenvolvidas e aplicadas por meio das parcerias feitas pelos EAU podem representar uma dicotomia entre garantir a proteção da população e apresentar um risco significativo à suas liberdades e direitos civis. 

Notas de fim

[i] Os Estados de Trégua, ou Sheikdoms de Trégua, foram um grupo de confederações tribais no sul do Golfo Pérsico que assinaram tratados de trégua com o Reino Unido no século XIX.

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