Mobilizações pró Palestina e o reconhecimento desse Estado por Irlanda, Noruega e Espanha

Ana Clara do Nascimento

Pedro Lucas e Silva

Resumo

As mobilizações pró-Palestina demonstram ser um fator contribuinte para o reconhecimento da legitimidade palestina, tais como uma resolução de cessar-fogo, assistência humanitária e reconhecimento internacional do Estado Palestino. No presente artigo, será apresentado como os movimentos recentes a favor da Palestina tiveram relação com o reconhecimento internacional de três países europeus, sendo a Irlanda, Noruega e Espanha.

Contexto: reconhecimento dos países da Espanha, Irlanda e Noruega

No dia 28 de maio de 2024,  Espanha,  Irlanda e Noruega anunciaram o reconhecimento do Estado da Palestina, o primeiro desses três países a tomar uma postura mais a favor da Palestina foi a Irlanda, que anunciou a criação de uma embaixada em Ramallah, capital da Cisjordânia e  a nomeação de um Embaixador Irlandês para a Palestina. (Irlanda.., 2024). Na Espanha, o primeiro-ministro Pedro Sanchez diz que “não é contra Israel” e nem “a favor do Hamas” mas que isso é uma atitude a favor da paz, Simon Harris primeiro-ministro irlandês disse que a solução de dois Estados ajudaria a criar um futuro pacifico. (Lendale, 2024)

Assim, esses três países se juntam a outros 142 países membros da ONU  que reconhecem o Estado Palestino. Embora haja um grande número de Estados que legitimam a Palestina, a ONU ainda não reconhece o mesmo. A Palestina detém desde 2012 apenas o status de membro observador permanente, tendo dentro da Organização direito apenas de participar de algumas reuniões, opinar e discursar sobre certos temas, mas a sua membresia não garante direito a voto, assim, não detém de um reconhecimento pleno. (Brasil, 2024).  Especialistas de direitos humanos da ONU, reafirmam a importância do reconhecimento do povo palestino e da própria Palestina, e de que é de direito soberano usufruir de segurança, proteção e de total autodeterminação. Os mesmo relatores, destacam a importância dessa autodeterminação para a paz definitiva do conflito. (Especialistas independentes.., 2024).

Com isso, o ato de reconhecimento desses três países engatou no reconhecimento também da Eslovênia, no dia 04 de junho, a Eslovênia se uniu a esses países e também reconheceu a legitimidade Palestina. Assim, a Eslovênia se tornou o mais recente país da União Europeia a reconhecer o Estado Palestino, além destes dentre os 27 países membro da União Europeia, outros oito como a Suécia e a Hungria, também já reconhecem a Palestina. Com o aumento dos países que reconhecem a Palestina, esse movimento deve gerar o aumento de outros países a adotarem a mesma postura na busca de uma paz e fim do conflito, como o País de Malta. (Eslovênia…,2024).

Mobilização pró-Palestina

Durante o mês de maio de 2024 ocorreram intensos protestos a favor do reconhecimento do Estado Palestino e contra o genocídio ocorrido na Faixa de Gaza em universidades estadunidenses e europeias. Nos Estados Unidos, as manifestações sofreram repressivas intervenções policiais, desencadeando, de certa maneira, o desenvolvimento de mobilizações pró-Palestina no continente Europeu. As intervenções policiais seguem uma onda de mobilização pró-palestinos que se espalhou pelas universidades dos EUA, mas que não se manteve restrita a essas instituições: também foram registrados protestos em universidades de países europeus, além da Austrália e México. (Polícia detém manifestantes… 2024).

A França foi o primeiro país europeu a apresentar mobilizações pró-Palestina, as mobilizações ocorreram principalmente na Universidade de Sorbonne e Sciences Po Paris e acabaram por influenciar a ocorrência de outras manifestações por toda a Europa Ocidental, como por exemplo, Holanda, Reino Unido, Alemanha, Itália, Espanha, Áustria, Suíça, Irlanda, Dinamarca e Finlândia (Polícia detém manifestantes… 2024). As atuações principais constituíram-se de protestos em universidades, ocupações de pontos importantes em cada país, ocupações em sala de aula dentre outros centros acadêmicos e a exigência do fim de parcerias com instituições israelenses (independente dos setores).

No que diz respeito aos países dos quais reconheceram recentemente o Estado Palestino, a Irlanda teve ocupações no pátio da Universidade de Trinity. Os manifestantes, alguns dos quais usavam o lenço kufiya – símbolo da ligação com a terra e as raízes agrárias do movimento de resistência (Sousa, 2024) – demonstrando o apoio e solidariedade ao povo palestino. No caso específico da Universidade de Trinity, os manifestantes estavam exigindo que a Universidade cortasse laços acadêmicos com Israel e vendesse seus investimentos em empresas associadas a Israel (Halpin; Arnold, 2024). Além disso, outro símbolo utilizado durante os protestos foi a bandeira do Estado Palestino.

Em relação a Espanha, os acampamentos ocorreram na Universidade Complutense de Madri exigindo demandas parecidas com as dos estudantes de Dublin. Isto é, os estudantes pedem à universidade para parar com investimentos e parcerias com empresas e entidades ligadas a Israel, além do que exigem também que o governo espanhol corte os laços diplomáticos e comerciais com Israel (Universidades da Europa… 2024). 

A pressão internacional e a pressão doméstica

A partir disso, o novo posicionamento internacional pró-Palestina evidenciou-se no reconhecimento do mesmo por parte dos Estados europeus citados. Com isso, este fator não surge de maneira desvinculada aos novos movimentos e protestos que ocorrem em níveis domésticos. Tais movimentos, devido às suas características de luta social e progressismo político, podem influenciar na tomada de decisão estatal para a elaboração de políticas internacionais que foquem no reconhecimento a danos históricos e sociais acometidos à população marginalizada.

Assim, a posição internacional da Espanha, Noruega e Irlanda denotam a importância desses movimentos para dar visibilidade às pautas pró-Palestinas. Demonstrando dessa forma, como os movimentos domésticos possuem capacidade de influência em dinâmicas internacionais. Sendo assim, caracterizam-se não sendo eventos unicamente nacionais, já que a expansão de movimentos pró-palestinas pelo mundo, antes apenas nos Estados Unidos e, logo após, no continente Europeu e outros Estados importantes geopoliticamente, expõe a forma como nenhuma ação doméstica é totalmente isolada, tão pouco relegada a apenas um país.

Tendo isso em vista, Putnam (2010) em Diplomacia e Política Doméstica: a lógica dos jogos de dois níveis afirma que: “[…] a pressão internacional foi uma condição necessária para que ocorresse essas mudanças de políticas. Em outras palavras, sem uma ressonância doméstica, as forças internacionais não teriam sido suficientes para produzir o acordo, não importando quão equilibrado e intelectualmente persuasivo fosse o pacote geral”. Desta forma, Putnam evidencia a necessidade de persuasão e pressão do nível doméstico, como também a mobilização internacional nas dinâmicas internacionais, já que este é capaz de mobilizar mudanças políticas e de posicionamento, havendo dessa forma, uma interconexão entre esses dois níveis de forma a reverberar tanto políticas domésticas quanto internacionais.

A partir disso, a denominação desta dinâmica como jogo de dois níveis, expressa-se na medida em que, o doméstico é representado pelo agrupamento popular e no internacional, as atuações dos Estados e de organizações internacionais como a ONU. Para ele, nesse primeiro nível: “grupos domésticos perseguem seu interesse pressionando o governo a adotar políticas favoráveis a seus interesses e os políticos buscam o poder constituindo coalizões entre esses grupos” (Putnam, 2010). Já no internacional ele aponta que “os governos nacionais buscam maximizar suas próprias habilidades de satisfazer as pressões domésticas, enquanto minimizam as consequências adversas das evoluções externas” (Putnam, 2010).

Considerações finais

Portanto, a elaboração de políticas internacionais pode representar respostas a movimentos domésticos. Como apresentado no artigo, percebe-se a ligação entre a ideia de reconhecer internacionalmente um Estado, a fim de assegurar a paz diante de um conflito e a tentativa de indivíduos da sociedade civil reverberando seus interesses diante da busca pelo mesmo resultado.

Desse modo, ao se pensar no avanço sobre as pautas de reconhecimento do Estado Palestino, como também das lutas de direitos humanos e temas relacionados ao cessar-fogo, estes só se tornam possíveis devido uma articulação entre o nível doméstico que avança com seus interesses para os Estados que os encaminham para o internacional (quase como um efeito “boomerang”).

Por mais que as pressões domésticas existam e não estão necessariamente interconectadas com as decisões tomadas no ambiente internacional, estas por sua vez, ao representarem questões a serem adotadas sobre a política externa dos Estados, tornam-se uma maneira de garantir uma convergência entre os assuntos. Logo, ao se tratar de um conflito no qual exista tantas intercorrências, uma articulação entre atores internacionais também se tornaria importante nas decisões dos Estados e no avanço na luta pró-Palestina.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL e mais 142 membros da ONU reconhecem Estado Palestino.G1, 22 mai 2024. Mundo. Disponível em : https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/05/22/palestina-veja-paises-que-reconhecem-territorio-como-estado.ghtml. Acesso em: 06 jun. 2024.

ESLOVÊNIA aprova reconhecimento do Estado palestino. BBC, 06 jun. 2024.Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/eslovenia-aprova-reconhecimento-do-estado-palestino/#:~:text=O%20Parlamento%20esloveno%20aprovou%20nesta,da%20Espanha%2C%20Irlanda%20e%20Noruega. Acesso em: 06 de jun. 2024.

ESPECIALISTAS independentes da ONU pedem reconhecimento do Estado da Palestina. ONU News, 04 jun. 2024. Direitos humanos. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2024/06/1832616 Acesso em: 07 jun. 2024.

HALPIN, Paldrac; ARNOLD, Paul. Estudantes da Irlanda e Suíça fazem protestos contra guerra em Gaza. Agência Brasil, Dublin e Zurique, 04 mai. 2024. Internacional. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-05/estudantes-de-irlanda-e-suica-fazem-protetos-contra-guerra-em-gaza Acesso em: 07 jun. 2024.

IRLANDA, Espanha e Noruega oficializam reconhecimento da Palestina como Estado; premiê irlandês anuncia Embaixada na Cisjordânia. G1, 28 mai. 2024. Mundo. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/05/28/espanha-irlanda-e-noruega-oficializam-reconhecimento-da-palestina-como-estado.ghtml. Acesso em: 06 jun. 2024.

LANDALE, James. Qual o impacto do reconhecimento do Estado Palestino por Espanha, Irlanda e Noruega. BBC, 22 mai. 2024.Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c033zm2vn3mo.Acesso em: 06 de jun. de 2024.

POLÍCIA detém manifestantes pró-Palestina em universidades dos EUA e França em meio ao aumento de protestos em outros países. O Globo, Paris e Amsterdã, 08 mai. 2024. Mundo. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2024/05/08/policia-detem-manifestantes-pro-palestina-em-universidade-dos-eua-e-franca-em-meio-ao-aumento-de-mobilizacao-estudantil-em-outros-paises.ghtml Acesso em: 07 jun. 2024.

PUTNAM, Robert D. Diplomacia e Política Doméstica: A Lógica dos Jogos de Dois Níveis. Revista Sociologia Política, Curitiba, v. 18, n. 36, p. 141-174, jun. 2010. 

SOUSA, Roberta de. A kufiya (كوفية): o lenço palestino sinônimo de resistência. Abraço Cultural, 16 jan. 2024. Cultura, História e Política, Mundo Árabe. Disponível em: https://abracocultural.com.br/o-lenco-palestino-sinonimo-de-resistencia/#:~:text=Ele%20simbolizava%20uma%20conex%C3%A3o%20com,rural%20e%20nacionalista%20da%20revolta. Acesso em: 07 jun. 2024.

UNIVERSIDADES da Europa são tomadas por protestos pró-Palestina: protestos na França, Espanha, Alemanha, Holanda e Bélgica são marcados por confrontos entre a polícia e os estudantes. CNN, 07 mai. 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/universidades-da-europa-sao-tomadas-por-protestos-pro-palestina/ Acesso em: 07 jun. 2024.

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